ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS (DOIS CARGOS DE PROFESSOR)
É importante frisar que o presente tema, tanto se trata de um aspecto relevante, como também se trata de uma questão polêmica envolvendo servidores públicos.
Escolhemos tratar da matéria nesse ensaio, haja vista que, além de sua regulamentação está prevista na Constituição Federal de 1988, é de suma importância para a perfeita compreensão do serviço público e da atividade e organização da Administração Pública como um todo.
Faz-se necessário compreender que a regra é a NÃO ACUMULAÇÃO de cargos públicos, sendo que, por consequência, a acumulação somente é possível em situações excepcionais. Assim, podemos observar que o art. 37, inciso XVI da CF/1988 inicia afirmando que: “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos”.
Pois bem, partindo da premissa que a regra é a NÃO ACUMULAÇÃO de cargos públicos, podemos iniciar o estudo das exceções, ou seja, aquelas situações excepcionais em que a acumulação é permitida.
Vejamos, aliás, a transcrição do artigo 37, XVI da CF/88:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Porém, antes mesmo de analisar a hipótese da acumulação de dois cargos de professor, hipótese excepcional prevista na CF/1988, é preciso entender que existe uma premissa básica: ACUMULAÇÃO, EM QUALQUER CASO, SOMENTE SERÁ PERMITIDA SE HOUVER COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO.
Ademais, esclareça-se que, mesmo sendo permitida a acumulação, excepcionalmente, NÃO SERÁ ADMITIDO QUE O SERVIDOR ULTRAPASSE O TETO REMUNERATÓRIO PREVISTO NO ART. 37, INCISO XI DA CF/1988.
Acumulação de dois cargos de professor
A primeira exceção prevista constitucionalmente é a que admite a acumulação de dois cargos de professor. Assim, por exemplo, é lícito que um professor mantenha um vínculo público com a Secretaria Estadual de Educação e outro com a Secretaria Municipal de Educação, desde que observada a condicionante da compatibilidade de horários, ou seja, não pode haver “choque” nos horários de trabalho do professor trazido no exemplo citado. É de se destacar que o não atendimento do requisito da compatibilidade de horários afronta tanto o princípio da moralidade quanto o princípio da eficiência administrativa.
Um aspecto interessante a ser observado (e também polêmico) é se a Administração Pública deve considerar o tempo de deslocamento entre um local de trabalho e outro. Particularmente, entendo que não cabe à Administração fazer esse tipo de análise previamente. Ora, não se mostra razoável presumir que o servidor chegará atrasado. Penso que, a Administração Pública não pode “barrar” a contratação com base nesse argumento.
Se por acaso, na prática, sejam verificados atrasos e/ou faltas ao serviço, a Administração deverá abrir o competente processo administrativo, e, se for o caso, aplicar as penalidades cabíveis, inclusive a pena de demissão prevista na Lei nº 8.112/90.
No ano de 2016, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou um caso concreto interessante, onde entendeu que embora possa constar no cargo o nome “professor”, é preciso verificar se realmente existe função de docência, e, caso não exista, a pretensão de acumulação deve ser rechaçada.
Vejamos, então, o que restou decidido nos autos do AgInt no AREsp 830694/ES, da Relatoria do Ministro Herman Benjamin, julgado em 18/08/2016:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFESSOR. PEDAGOGO. CARGO TÉCNICO-CIENTÍFICO. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Cuida-se, na origem, de Ação Declaratória proposta por Margarida Helena Vieira Meneses, ora agravante, contra o Estado do Espírito Santo, ora agravado, objetivando a decretação da nulidade da sindicância e do processo administrativo instaurados contra a autora, bem como a declaração de legalidade da cumulação dos cargos públicos exercidos pela agravante.
2. O Juiz de 1º Grau julgou parcialmente procedentes os pedidos.
3. O Tribunal a quo deu provimento à Apelação do ora agravado, e assim consignou na sua decisão: "Em outras palavras, não é possível a acumulação de dois cargos técnicos. Como já constatado, apesar das nomenclaturas dos cargos ocupados pela apelada fazerem menção ao nome de "professor", sua natureza é técnico-pedagógica, sem regência de classe (sem função de docência), sendo ilegal a acumulação." (fl. 986, grifo acrescentado).
4. Enfim, o Tribunal de origem afirmou que não se trata de acumulação de dois cargos de professor propriamente, apesar da nomenclatura.
5. Modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher a tese da recorrente, demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ.
6. No mais, a Corte Regional afirmou que não ocorreu a prescrição da pretensão da Administração em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, pois "o Estado somente tomou conhecimento da malsinada acumulação no final de 2009." (fl. 963, grifo acrescentado).
7. Assim, para acolher a tese da recorrente é necessário o reexame dos fatos, o que encontra o óbice da Súmula 7/STJ. Nesse sentido: AgRg no AREsp 391.312/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 27/2/2014.
8. Ademais, conforme dispôs o decisum agravado, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Mandado de Segurança 20.148/DF, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, firmou a compreensão de que não ocorre a prescrição da pretensão da Administração em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, mormente porque os "atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo". Nesse sentido: MS 20.148/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 18/9/2013, e AgRg no REsp 1400398/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 3/2/2015.
9. Por fim, constata-se que não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil/1973, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.
10. Agravo Interno não provido.”
Há ainda mais duas hipóteses excepcionais em que a acumulação é permitida: um cargo de professor com outro técnico ou científico, bem como, dois cargos ou empregos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Essas outras duas hipóteses serão tratadas em artigos futuros ou mesmo em um curso específico abrangendo todas as polêmicas e nuances que envolvem a matéria atinente a acumulação de cargos públicos.
Profº Juciê Ferreira de Medeiros - Advogado