Publicado em: sex, 26/02/2021 - 16:37
Em razão do atual período de pandemia por conta da covid-19, a circulação de veículos diminuiu e, consequentemente, reduziu-se também o número de acidentes e vítimas no trânsito. Porém, com a retomada gradativa das atividades e a maior movimentação nas ruas, a tendência é que esse número volte a crescer. Dados divulgados pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostram que ocorreram 63.447 acidentes em rodovias brasileiras e foram registradas 5.287 mortes, apenas no ano de 2020.
A maioria desses acidentes é causada por pessoas imprudentes que desrespeitam as regras de trânsito, colocando em risco a sua vida e as dos demais condutores. A falta de atenção, velocidade excessiva, ultrapassagem indevida e embriaguez estão no topo da lista dos maiores causadores dessas mortes. Nestes casos, como a pessoa causadora do acidente seguido de morte será responsabilizada? Ela irá responder judicialmente por algum crime? Se sim, e em caso de embriaguez ao volante, será condenada por crime doloso ou culposo?
Para responder corretamente esses questionamentos, é necessário trazer à memória os conceitos de crime doloso e crime culposo no art. 18 do Código Penal (CP). O crime culposo é definido como sendo um aquele praticado sem a intenção do agente, que o causou por imprudência, imperícia ou negligência (art. 18, inciso II, CP); já o doloso, é considerado um crime cometido quando o agente está munido da intenção (dolo); ele quis cometer o crime ou assumiu o resultado do seu ato (art. 18, inciso I, CP), neste último caso, é chamado de dolo eventual.
Cursos na Área do Trânsito, Acessibilidade e Mobilidade Urbana
Porém, existe outro instituto no Direito Penal que se aproxima muito do dolo eventual, que é a chamada culpa consciente. Essa aproximação faz gerar uma confusão em muitas pessoas e acaba resultando em muitos problemas práticos na aplicação desses dois institutos, que são essenciais na hora de determinar se o crime foi culposo ou doloso.
Essa confusão se dá porque, em ambos os institutos, o agente prevê o resultado e mesmo assim pratica a conduta. Ou seja, em ambos os casos, há a efetiva previsão do resultado. Mas se levarmos a expressão “assumir o risco” em sentido comum; leigo, qualquer conduta que a rigor é culposa seria considerada como dolosa, já que a culpa nada mais é do que uma conduta arriscada.
Como exemplo, podemos citar o ato de dirigir embriagado como uma conduta arriscada: aos olhos do senso comum, quem faz isso assume o risco e as consequências de um provável acidente. Nesse caso, se o acidente causasse a morte de outrem, o tal agente seria acusado de homicídio doloso, mesmo que nos autos do processo não tivesse a prova concreta de dolo eventual. Como o julgamento de homicídio doloso é feito por jurados (juízes leigos), fica mais fácil para a parte acusadora convencê-los de que o agente assumiu o risco, agindo assim com dolo eventual.
Curso Direção Defensiva e Regras de Ouro do Código de Trânsito
Porém, por meio do julgamento do HC 107801, o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou o dolo eventual e a culpa consciente em seus devidos lugares, concedendo o Habeas Corpus a um motorista que, ao dirigir embriagado, causou a morte de uma pessoa em um acidente de trânsito. A decisão da Primeira Turma do STF desqualificou a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso (com intenção de matar) para homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção de veículo, por entender que a responsabilização do crime “doloso” requer que o agente tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime, o que não foi o caso.
Conforme o entendimento do STF, a embriaguez ao volante com o resultado morte só pode ser considerado crime doloso se o agente tivesse se embriagado com o intuito de se encorajar e praticar a conduta criminosa ou assumir o risco de produzi-la. Nesse caso julgado, não ficou comprovado que o acusado teria ingerido bebidas alcoólicas com o objetivo de produzir o resultado morte. Por isso houve a desqualificação da conduta para homicídio culposo na direção de veículo automotor, tipificado no Art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que traz:
“Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”
Esse entendimento do STF foi muito importante, pois criou um precedente que poderá evitar a aplicação indevida de tais institutos (dolo eventual e culpa consciente) nos futuros processos de acidente de trânsito com resultado morte.
Curso Formação de Agente de Trânsito – Portaria No 94/2017
Entretanto, o ideal seria que o Poder Legislativo incluísse na lei uma forma qualificada para o homicídio culposo em casos de embriaguez do motorista, trazendo uma pena proporcional à gravidade do delito cometido. Dessa forma não haveria a adulteração da lei para o dolo eventual e evitaria também o sentimento de impunidade nesses casos, já que a pena máxima ao homicídio culposo (3 anos de detenção), resulta, em regra, na substituição por penas restritivas de direitos, o que não é muito pouco para quem mata uma pessoa nos casos descritos anteriormente.
Williane Marques de Sousa
Estudante de Direito
Estagiária Unieducar
REFERÊNCIAS:
https://www.portaldotransito.com.br/noticias/numero-de-acidentes-diminui...
https://mobilidade.estadao.com.br/mobilidade-para-que/imprudencia-e-prin...
https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20621651/habeas-corpus-hc-10...