O princípio do jus postulandi na perspectiva do empregado – e em tempos de Pandemia

Natália Antunes Rodrigues da Paixão
Publicado em: qui, 09/07/2020 - 17:26

O princípio do jus postulandi na perspectiva do empregado – e em tempos de Pandemia

Dentre os vários princípios que compõem o direito do trabalho, o jus postulandi se destaca por possibilitar e facilitar o acesso à justiça, permitindo que empregados e empregadores ingressem e realizem alguns atos processuais, sem a necessidade de constituir advogado.
A priori, esse princípio atua resguardando o direito de acesso à justiça de forma universal, direito esse, garantido no artigo 5º da Constituição Federal:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
Além da proteção Constitucional, o acesso à justiça é garantido na Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, na qual o Brasil faz parte, dispondo que:
“Art. 8º:  Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.”

Trazendo a reflexão acerca da garantia do acesso à justiça ao processo do trabalho, o jus postulandi é garantido, ainda, pela CLT:
“Art. 791. Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.
Art. 839. A reclamação poderá ser apresentada: a) pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classes.”

Mesmo originando das melhores intenções de quem o idealizou, diversos são os malefícios ocasionados aos trabalhadores que fazem opção pelo ingresso nas vias judiciais utilizando-se do jus postulandi.
A possibilidade de praticar atos no meio judicial, sem o acompanhamento de um procurador devidamente qualificado, ocasiona a perda do direito de praticar atos e apresentar documentos importantes, visto que muitas vezes não são realizados em momento oportuno.
Além disso, o empregado que usufrui desse direito pode ser prejudicado, também, por não expor de modo devido as razões pelas quais merece a procedência de seus pedidos, ou por não conseguir exibir as provas que corroboram com as alegações, nos casos de defesa.
São diversos os atos praticados pela parte desacompanhada de advogado que causam prejuízo no decorrer do processo. Deve-se refletir acerca do liame de benefícios e prejuízos que esse princípio ocasiona no Processo do Trabalho.
Em tempos de pandemia, a desigualdade gerada pelo jus postulandi é ainda mais visível. Com o intuito de garantir o acesso à justiça sem colocar a saúde do reclamante e dos servidores em perigo, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, iniciou o procedimento de atermação on-line.
Apesar de visar a garantia do direito de acesso à justiça, resguardado pela CLT, pela Constituição Federal e pela Convenção Internacional de Direitos Humanos, esse método de ingresso no meio judicial, por meio de plataformas on-line, ocasiona o aumento das problemáticas acerca do jus postulandi, visto que aproximadamente 20% das casas brasileiras ainda não contam com o acesso à internet. Esses números são resultado de pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2020 e divulgada pelo site “Agência Brasil”.
Cumpre destacar que, parte dos 80% dos brasileiros que tem acesso à internet, possuem apenas o serviço básico, o que suporta exclusivamente o envio e recebimento de textos e imagens nos aplicativos de mensagens. Desse modo, uma parcela ainda maior é impossibilitada de utilizar desse meio, vez que é necessário entrar no site da instituição e realizar o preenchimento de formulário, bem como enviar os documentos necessários.
Em um período que a desigualdade social no Brasil é ainda mais evidente, o ingresso em vias judiciais por meio de plataforma digital, aumenta ainda mais o contraste presente na sociedade.
Ademais, a possibilidade de acionar a justiça por meio eletrônico poderá aumentar os prejuízos causados ao trabalhador, que não contará com o mesmo atendimento presencial, ainda que seja possível agendar um “horário virtual” para esclarecer possíveis dúvidas.
A desigualdade resultante do jus postulandi também está presente entre as partes, nos casos em que o trabalhador ingressa sem advogado e se sente frágil e desprotegido diante dos advogados representantes da empresa.
O desequilíbrio entre as partes e o despreparo do empregado para ingressar em juízo fere os artigos da Constituição Federal e da Convenção Internacional de Direitos Humanos, anteriormente citados, que garantem o acesso à justiça de forma igualitária a todos indivíduos.
É mais do que visível o risco ao processo e os danos ao trabalhador que esse princípio pode ocasionar. Como falar em igualdade se, no momento de ingresso, o trabalhador já pode ser prejudicado?
Deve-se refletir acerca de meios que façam cumprir o direito de acesso à justiça, conceito resguardado pelo jus postulandi, mas de modo que garanta a igualdade de direito entre as partes de forma efetiva, sem prejuízos ao trabalhador que não possa arcar com os honorários de um procurador particular.
A justiça, com a responsabilidade de aplicar os direitos Constitucionais, deve ser exemplo de garantia da igualdade entre os indivíduos.

Natália Antunes Rodrigues da Paixão

 

Natália Antunes Rodrigues da Paixão

Estudante de direito motivada, com um ano e meio de experiência no setor de conciliação do Juizado Especial Cívil e da Fazenda Pública de Belo Horizonte. Atualmente, estagiando na elaboração de votos e demais documentos jurídicos do TRT/MG. Amplo conhecimento na área jurídica, com facilidade de solucionar conflitos e de comunicar com diferentes tipos de pessoas. Aptidão na área trabalhista e contratual. Espírito de liderança, formadora de equipes, capaz de navegar por situações de alto estresse e atingir os objetivos.

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