O uso de temas que fazem parte do cotidiano dos estudantes em provas escolares é comum nas escolas, seja para despertar o interesse por uma disciplina, seja para exemplificar um problema. O uso da música Beijinho no Ombro, da funkeira Valesca Popozuda, em uma prova de filosofia do Ensino Médio, mostrou como esse recurso pode distorcer o aprendizado. A questão formulada por um professor do Centro de Ensino Médio (CEM) 3 de Taquatinga, no Distrito Federal, pediu aos alunos que identificassem um trecho do hit e apresentou a cantora como uma “grande pensadora”. Seria uma "provocação", disse o docente em entrevistas. Segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, o episódio revela dois problemas graves das escolas no Brasil: a predileção pelo construtivismo como teoria de ensino e o desconhecimento por parte dos professores da ciência cognitiva.
“O construtivismo surge nas escolas em sua versão mais rasa, que sugere que ‘o aluno constrói o seu conhecimento’ a partir do seu interesse por determinado assunto, o que não é verdade. Esse problema é somado ao fato de que os professores não sabem como o cérebro aprende e acreditam que só com referências a temas pop ou chocantes o aluno se lembrará da matéria. As pesquisas mostram o contrário: uma pessoa aprende e se lembra de um tema quando ele é pensado e refletido", afirma o especialista em educação e colunista de VEJA Gustavo Ioschpe.
Claudio de Moura Castro, pesquisador em educação e também colunista de VEJA, acredita que os professores confundem contextualização com banalização do ensino. “É claro que devemos colocar o assunto trabalhado nas disciplinas num contexto que leve em conta o mundo do aluno. Mas isso não é possível o tempo todo, há certos conteúdos que o estudante precisa aprender e aos quais ele só dará uso efetivo mais adiante. A filosofia é um deles", afirma.
Para Ocimar Alavarse, especialista em sistemas educacionais e professor da Universidade de São Paulo, a citação à funkeira Valesca Popozuda como “grande pensadora contemporânea” em uma prova escolar “desvaloriza o ato de pensar, a própria filosofia”. “Ela não é consagrada como pensadora no sentido clássico da filosofia e colocá-la nesse papel só serve para confundir o aluno.”
Após a grande repercussão de sua prova na internet, o professor de filosofia do CEM 3 Antônio Kubitschek tentou explicar por que considera a cantora uma pensadora. “Qualquer pessoa que consiga construir um conceito é um filósofo. A todo momento em que você abre sites e revistas de fofocas, aparece que fulano 'deu beijinho no ombro'. Ela acabou criando um conceito. Se ela influencia a sociedade com o que ela pensa, eu a considero sim uma pensadora".
Para Alavarse, entretanto, a explicação do professor não condiz com o esperado de um docente da disciplina. “Usando esse argumento ele consagra o que nem de longe está consagrado. A questão nada tem a ver com o que vigora nos currículos de filosofia, tanto no Brasil quanto em outros países”, diz.
O mais correto, segundo Alavarse, seria usar a música para problematizar uma questão com base em teorias consagradas da filosofia. “O problema não é usar uma música de funk ou de qualquer outro estilo musical, mas sim jogá-la em uma prova como se fosse uma teoria validada."
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