A Blockchain como Ferramenta de Simplificação da Legislação Tributária e contra a Sonegação

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: seg, 20/07/2020 - 11:17

A BLOCKCHAIN COMO FERRAMENTA DE SIMPLIFICAÇÃO  DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA E CONTRA A SONEGAÇÃO

Juracy Soares

A partir da disseminação de rotinas online, cada vez mais atividades que eram realizadas de forma corriqueira, como o “reconhecimento de firma” ou a “autenticação de cópias” perdem espaço para as ferramentas de validação eletrônica, como é o caso da certificação digital e segurança da informação.

Até mesmo a obrigação de manutenção de registros contábeis, financeiros e fiscais, dentre inúmeras outras, passam a ser realizadas por meio de uma inovação tecnológica que está sendo fortemente disseminada. Essa solução de registro eletrônico vem ganhando destaque dentre as ferramentas disponíveis. Estamos falando do Blockchain.

Desenvolvido como uma inovação tecnológica do Bitcoin, visando prover segurança no registro das transações realizadas com essa criptomoeda, a Blockchain (cadeia de blocos em tradução livre) é uma solução simples, barata, segura e inteligente a ser adotada pela Administração Tributária brasileira com o objetivo de (também) dar cabo da sonegação fiscal.

A primeira ideia que se deve ter em mente é que, apesar de ter sido formulado para gerar suporte de segurança ao Bitcoin, a Blockchain não é algo atrelado à referida moeda eletrônica. E por conta dessa característica, pode ser utilizada como ferramenta para agrupar registros de quaisquer tipos de transações, em todas as áreas.

Para ser mais específico e introduzir uma utilização completamente diferente da que vem à mente quando falamos em Blockchain, é possível utilizar a referida tecnologia para arquivar prontuários de todos os pacientes que já tenham sido atendidos pelo SUS, por exemplo, em campanhas de vacinação, contra as mais variadas doenças. Dessa forma, o paciente não necessitaria guardar o “cartão de vacinação”, uma vez que ao inserir o seu CPF no sistema, seria possível recuperar todas as vacinas e doses às quais a referida pessoa se submetera até aquele dia.

A Blockchain é uma tecnologia simples porque é – em última instância – a evolução de algo que é de domínio público há séculos. Trata-se – em linguagem acessível - de um mero conjunto de registros de transações em um livro Razão. Só que esses apontamentos ganham segurança a partir da replicação em milhões de pontos espalhados em todo o mundo.

A Blockchain também é uma solução barata de segurança da informação, já que é uma tecnologia de código aberto. Portanto, não sujeita ao pagamento de licenças de uso de softwares ou quaisquer outros tipos de royalties para sua utilização. Para começar é necessário unicamente definir quais registros serão arquivados em quais pontos de quais transações.

A Blockchain é segura, tendo em vista que embarca uma criptografia impossível de ser quebrada. Essa certeza parte do princípio de que as réplicas de todos os blocos (blocks) de registros fazem parte indelével da cadeia (chain) de todas as transações realizadas, introduzidas pelos participantes em nível global. A modelagem em forma de “cadeia de blocos” pressupõe que cada conteúdo novo carregado traga consigo a “impressão digital” de todos os blocos anteriores e assim, sucessivamente.

Dessa forma é impossível introduzir um elemento de modo a falsear os registros, pois isso requereria não só a introdução de blocos anteriores fraudados, mas a mudança em todos os “nós”, localizados em todos os computadores em todo o mundo. Trata-se, portanto, de uma potente ferramenta de gestão e segurança da informação.

Como aditivo à tecnologia, pode-se utilizar ainda dos chamados Smart Contracts (contratos inteligentes), que são rotinas de programação que permitem rodar, dentro das rotinas de Blockchain, por exemplo, cálculos de apuração, retenção e distribuição de tributos devidos em uma determinada operação comercial tributada.

Iniciativas e discussões sobre o uso da Blockchain pela Administração Pública brasileira são relativamente recentes. Em 2017 numa audiência pública na Câmara dos Deputados1 foi abordada a utilização da tecnologia para reduzir fraudes com dinheiro público.

A Rede de Inovação no Setor Público2 também já destaca as iniciativas da utilização da Blockchain pela Administração, em forma de estratégia de inovação. Noutro artigo específico, a rede InovaGov destaca como é possível usar a Blockchain no setor público3.

O Ministério da Economia, ainda em dezembro de 2017, divulgou uma notícia dando conta de que o Serpro desenvolvia uma plataforma Blockchain para o governo federal.

             "Trata-se de uma infraestrutura em nuvem para instanciação de redes blockchains e de nós nessas redes. As redes serão distribuídas entre os órgãos e entidades participantes de cada uma delas. Os participantes terão um                ou mais nós nestas redes e esses nós podem estar na nuvem do Serpro ou em qualquer outro provedor de TI de sua escolha", explicava Gleison Diolino, gerente de Engenharia e Arquitetura de Serviços do Serpro.

A proposta da plataforma é – segundo Diolino - de que o governo possa gerar mais agilidade na criação e ampliação de redes Blockchain, visando suportar diversas modalidades de serviços públicos, com ganhos na redução de custos de transações garantia de segurança e privacidade.

"Os benefícios ao cidadão dependerão do propósito de cada rede implementada. No geral, é possível reduzir a burocracia e eliminar intermediários em interações do cidadão com o governo ou com empresas, uma vez que esses intermediários geralmente servem para dar garantia em documentos e dados, algo que uma Blockchain pode garantir por si mesma".

O trabalho pioneiro do Serpro vem gerando seus primeiros resultados. Tanto que no dia 21/11/2018 a Receita Federal publicou no DOU, a Portaria RFB No. 1.7884, que trata da disponibilização de dados no âmbito da Administração Pública Federal envolvendo a tecnologia Blockchain.

A primeira utilização – ao que se depreende pela leitura do texto – é para o CPF. A RFB reverbera a tese de que é possível utilizar a referida tecnologia como ferramenta para “disponibilizar um conjunto de dados, de maneira distribuída, imutável, e com claro rastreamento de qual partícipe fez qual alteração nos dados, e que se mostra bastante interessante para ambiente onde a confiança é indispensável”.

Parte então a Receita Federal à disponibilização do bCPF, que é uma versão Blockchain do Cadastro de Pessoas Físicas. Ao que parece, a RFB é a pioneira – no Fisco – a adotar uma solução G2G (Government to Government – Governo para Governo) visando simplificar o compartilhamento da base CPF, com o aproveitamento de uma ferramenta tecnológica que assegura integração, eficiência e acurácia aos dados.

A abordagem utilizada pelo órgão da Administração Tributária Federal é pela via do credenciamento de uma rede permissionada, na qual – de modo exclusivo - apenas as entidades autorizadas participarão da rede implementação. Como característica suplementar, a entidade assegura que “toda a tecnologia está baseada em software livre de código fonte aberto e auditável”.

Dezenas de artigos, reportagens e outros trabalhos – científicos ou técnicos – dão sugestões e abordagens de uso – pela Administração Tributária – além do que já está em curso. Como resultado de uma compilação, sugiro a leitura dos conteúdos disponíveis a partir dos links referenciados abaixo.

É óbvio que a aplicação da tecnologia não vai dispensar a expertise dos profissionais Auditores Fiscais. Pelo contrário! Exigir-se-á mais qualificação, já que muito mais dados poderão ser tratados em uma análise primária e até secundária, o que demandará mais inteligência no planejamento de rotinas de mineração e entrelaçamento de dados. Em uma análise rápida, pode-se afirmar que a migração do perfil de “executores” para o de “executivos” estará consolidada.

Uma decorrência natural dessa transformação será a forte redução – que deve beirar a extinção – de dezenas das chamadas OTA’s – Obrigações Tributárias Acessórias pelo simples motivo de serem completamente dispensáveis nesse novo ambiente.

E a partir daí se delineará um Novo Paradigma na Relação Fisco – Contribuintes. Baseado na confiança ao invés da desconfiança. Baseado no oferecimento – pelo Fisco – das informações geradas pela Administração Tributária, visando uma simples checagem e validação pelo administrado e não mais o inverso.

É isso que esperamos com a massificação desse novo paradigma. Que os empreendedores sérios e cumpridores de seus deveres sejam respeitados e possam focar no desenvolvimento de seus negócios. Que a Administração Tributária possa oferecer os meios para a gestão simples, barata e descomplicada dessas obrigações. E que os participantes de mercado que tenham como objetivo fraudar a concorrência e a Administração, possam ser alvo de ações enérgicas do Estado, visando a sua correção ou exclusão do sistema.

Até a próxima então!

Quero ouvir a sua opinião! Você pode escrever um artigo e publicar em nosso Blog Unieducar. Basta enviar para o meu e-mail: juracy.soares@unieducar.org.br .

 

Juracy Soares

É professor fundador da Unieducar. É fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica.

Graduado em Direito e Contábeis; Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito; Possui Certificação em Docência do Ensino Superior; É pesquisador em EaD/E-Learning; Autor do livro Enrqueça Dormindo.

REFERÊNCIAS:

1.: Especialistas defendem uso da tecnologia BlockChain para reduzir fraudes com dinheiro público. Disponível em: https://bit.ly/2XvwkR8

2.: InovaGov - Rede de Inovação no Setor Público. Blockchain também é para o setor público. Disponível em: https://bit.ly/31OLvUX

3.: InovaGov - Rede de Inovação no Setor Público. É possível usar a Blockchain no setor público? Disponível em: https://bit.ly/2LiH9jd

4.: Portaria RFB No. 1.788 - Disponibilização de dados no âmbito da Administração Pública Federal envolvendo a tecnologia Blockchain. Disponível em: https://bit.ly/2XqMQ4Z

 

 

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