Acesso à internet como um direito fundamental

Williane Marques de Sousa
Publicado em: qua, 05/05/2021 - 14:54

Atualmente estamos vivendo na Era Digital: compras, pagamentos de contas, reuniões, entrevistas, consultas e até encontros são feitos por meio dos diversos meios digitais disponíveis no mercado. Constantemente somos informados sobre os inúmeros avanços e descobertas na área da educação, da saúde e da segurança que só foram possíveis através do avanço da tecnologia. E sem a internet, sem dúvidas, isso não seria possível. A internet tem o poder de tornar tudo muito mais rápido e prático e se tornou quase impossível acompanhar o desenvolvimento da sociedade sem ela. Porém, infelizmente, o acesso à internet não é uma realidade para muitos no nosso país...

O site Agência Brasil (1) divulgou que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) em 2018 mostrou que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet. Em números totais, isso representa cerca de 46 milhões de brasileiros que não acessam a rede. Em áreas rurais, o índice de pessoas sem acesso é ainda maior que nas cidades, chega a 53,5%, já em áreas urbanas é 20,6%. Mas porque isso acontece? Algo que traz tantos benefícios para o desenvolvimento e aprendizado humano não deveria ser de acesso a toda população brasileira? Afinal, o direito de acesso à internet é ou não um direito fundamental?

No texto Constitucional não vemos nenhum artigo do tipo “é direito de toda a população ter acesso à internet”. Porém, o rol dos direitos fundamentais não é um rol taxativo, mas sim exemplificativo. Além disso, o art. 5°, inciso XIV, da Constituição Federal diz o seguinte “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”; logo, sendo a internet um dos maiores meios existentes de obtermos informações, podemos dizer que ela pode ser também incluída nessa espécie de direito fundamental.

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Semelhantemente, o art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” Sem dúvidas, por conta da sua praticidade e rapidez, a internet se tornou o mecanismo mais utilizado para buscar e obter informações. Por isso, pode-se dizer que a internet é um dos principais meios na qual as pessoas podem exercer o seu direito de obter informações e, por isso, deveria ser de fácil acesso a toda população brasileira.

É possível também fazer uma analogia do direito ao acesso à internet como um direito fundamental quando falamos sobre educação, que é um direito assegurado no art. 205 da Constituição que diz que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Percebe-se atualmente que a internet se tornou um meio quase que indispensável para o processo de aprendizagem dos estudantes, já que, por meio dela, o aluno pode expandir os seus conhecimentos, realizando pesquisas e cursos online, que vai enriquecer ainda mais seu aprendizado.

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Além disso, na internet podemos encontrar vários livros em PDF, disponibilizados gratuitamente, que são fundamentais para os alunos que não possuem condições de adquirir o livro físico. Dessa forma, o acesso à internet também é fundamental para o exercício da cultura e do lazer, disponibilizando além de livros, o acesso a filmes, documentários, jogos e músicas de forma rápida e gratuita.

Neste período de pandemia, a importância do acesso à internet na educação se tornou ainda mais evidente, pois as escolas tiveram que fechar suas portas e dar continuidade às aulas de forma virtual. Essa mudança foi um impacto, tanto para os professores como para os alunos, que sem nenhum preparo tiveram que se adaptar rapidamente para conseguir acompanhar o novo ritmo de aula, que passou a se dar por meio de aplicativos, acessados nos celulares, tablets ou notebooks. Se já foi difícil para quem tinha os meios adequados para acompanhar as aulas - ambiente adequado para estudos, internet, celular, notebook - imagina para um aluno que precisava dividir um único aparelho eletrônico com todos os membros da sua família, ou para quem não possuía sequer internet em sua casa... Infelizmente, essa é a realidade de muitos estudantes de escola pública no Brasil.

O site BBC News (2) informou que mesmo depois de mais de um ano do início da pandemia, professores de escolas públicas dizem que ainda não há uma estrutura adequada para os alunos aprenderem à distância. O site relatou um caso de uma estudante que só conseguia acompanhar as aulas online e estudar na terça-feira, pois este é o único dia da semana que a mãe dela tinha folga e poderia disponibilizar seu celular, o único da casa, para a filha estudar.  Várias outras famílias estão na mesma situação, ou até pior, que esta estudante. Milhares de brasileiros não possuem acesso à internet, muito menos a equipamentos eletrônicos, ficando impossibilitados de exercer seu direito de educação, de acesso à cultura, à informação e ao lazer.

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Mediante o exposto, percebe-se que o acesso à internet é sim um direito fundamental para todos os cidadãos brasileiros, embora não positivado, sendo essencial também para o exercício de vários outros direitos já assegurados constitucionalmente, como à educação, à informação e à cultura. Com isso, se faz necessário que o Estado, como um dos principais entes responsáveis pela manutenção da justiça social, disponibilize de forma gratuita e pública o acesso à internet, para este seja universalizado e para que os mais pobres possam usufruir de seus inúmeros benefícios.

Por fim, uma boa notícia: existe atualmente uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 8/2020) que prevê a inclusão do acesso à internet entre os direitos fundamentais, descritos no art. 5° da nossa Constituição. O senador Luiz Pastore (MDB-ES) foi o primeiro signatário da PEC, destacando que “por meio da internet é possível ter acesso a notícias de qualquer parte do mundo, acervos de bibliotecas e museus, ferramentas educacionais para crianças, jovens e adultos, oportunidades de emprego e uma infinidade de outras ferramentas” (3). Esperamos que este projeto seja transformado em uma Emenda Constitucional e que o direito ao acesso à internet seja de fato positivado e assegurado constitucionalmente. Desta forma, o Estado teria a responsabilidade de assegurar o exercício deste direito àqueles que não possuem a condição de pagar por um plano de internet, visto que isso é um elemento fundamental para o alcance da justiça social e para desenvolvimento pleno da cidadania.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

REFERÊNCIAS:

  1. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/um-em-cada-qua...
  2. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56909255
  3. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/13/proposta-inclui....

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