Aplicabilidade da Lei Maria da Penha às mulheres trans

Deborah Chrystine Peixoto Alves
Publicado em: sex, 15/07/2022 - 15:46

Em abril de 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, por unanimidade, que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é aplicável aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.

A decisão do STJ viabilizou a aplicação das medidas protetivas, presentes na lei, requeridas por uma pessoa transexual - e é inédita, criando um precedente importante para que outros casos similares sejam considerados sob a mesma ótica.

É frequente que a solicitação da aplicação das medidas preventivas previstas na Lei nº 11.340/2006 seja negada às vítimas trans, em razão do entendimento de que a proteção normativa seria limitada somente às pessoas que biologicamente pertencem ao sexo feminino.

Porém, a compreensão factual é de que a Lei nº 11.340/2006 trata da defesa da mulher enquanto gênero, de modo que a jurisprudência estende a proteção da norma aos transexuais e transgêneros que se identifiquem como mulheres e que estejam em situação de violência doméstica.

Atualização Jurídica - Direito Penal – Lei Maria da Penha - Lei 11.340/06 e Jurisprudência
 

ESTEFAM (2022, 9ª edição, pág. 237) ensina que transgênero é a pessoa que se identifica com um gênero diferente daquele que corresponde ao seu sexo atribuído no momento do nascimento. Uma mulher transgênero é, assim, uma pessoa a quem foi atribuída ao sexo ou gênero masculino ao nascer, mas que possui uma identidade de gênero feminina.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na Recomendação nº 128/2022, apresentou o “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero” no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, com o objetivo de implementar políticas de igualdade de gênero e romper com culturas de discriminação e de preconceitos.

A palavra gênero trata do conjunto de características socialmente atribuídas aos diferentes sexos; enquanto o termo “sexo” se refere à biologia, “gênero” se refere à cultura. Desse modo, temos que o gênero se relaciona às características socialmente construídas – muitas vezes negativas e subordinatórias – atribuídas artificialmente aos diferentes sexos, a depender das diversas posições sociais ocupadas por membros de um mesmo grupo.

A identidade de gênero, por sua vez, é a identificação com características socialmente atribuídas a determinado gênero – mesmo que de forma não alinhada com o sexo biológico de um indivíduo (pessoas cujo sexo e gênero se alinham, são chamadas cisgênero; pessoas cujo sexo e gênero divergem, são chamadas transgênero; existem também pessoas que não se identificam com nenhum gênero).
A Constituição brasileira faz referência à igualdade entre os sexos – e, atualmente, o direito também tem a igualdade entre os gêneros como objeto de proteção.

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A Lei Maria da Penha, por sua vez, exige, para sua aplicação, que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.

Uma vez que nem sempre o sexo biológico e a identidade subjetiva coincidem, devemos considerar que a norma busca combater a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero, e não por razão do sexo da vítima.

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A violência de gênero é decorrência direta do machismo que perpassa nossa estrutura social, que origina a violência contra as mulheres, tradicionalmente colocadas em papéis de subordinação.

Atualmente, estão em trâmite no Congresso Nacional alguns projetos que propõem alterações na lei Maria da Penha, sendo que dois deles procuram incluir textualmente as mulheres transgênero no escopo da lei: o PLS 191/2017 e o PL 8032/2014. É importante acompanhar as inovações legislativas e sua adequação aos atuais padrões sociais.

Deborah Chrystine Peixoto Alves
Advogada com especialização em Administração Pública

Bibliografia
Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.

Conselho Nacional de Justiça (Brasil). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero [recurso eletrônico] / Conselho Nacional de Justiça. — Brasília: Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados — Enfam, 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/internet_docs/biblioteca/clippinglegislacao/Rec_1....

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Especial – Arts. 121 a 234-C – v. 2. – 9. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal)
https://direitoreal.com.br/noticias/lei-maria-da-penha-e-aplicavel-a-vio....

https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/sTJ-define-que-lei-maria-da-penha-e-aplicavel-tambem-a-violencia-contra-mulheres-trans1#:~:text=Boletim%20Revista%20U%26S-,STJ%20decide%20que%20Lei%20Maria%20da%20Penha%20é,à%20violência%20contra%20mulheres%20trans&text=Por%20unanimidade%2C%20a%20Sexta%20Turma,ou%20familiar%20contra%20mulheres%20transexuais.

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/050420....

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