Até onde vai o direito do consumidor reclamar nas redes sociais?

Williane Marques de Sousa
Publicado em: ter, 25/05/2021 - 15:57

Toda relação consumerista se constitui como um tripé formado por consumidor, fornecedor e produto/serviço. Como toda e qualquer relação jurídica, a relação de consumo está sujeita a falhas que podem ocasionar litígios e, neste caso, geralmente a falha está relacionada ao terceiro item da relação. É inegável que, caso um serviço não seja prestado adequadamente ou um produto apresente defeito, o consumidor tem pleno direito de reclamar pelos seus direitos, seja para a própria empresa ou para órgãos de defesa do consumidor.

Porém, com o avanço da tecnologia e das mídias sociais, muitos consumidores estão utilizando as redes sociais para expor sua reclamação quando se sentem lesados ao adquirir um produto ou um serviço. Muitas dessas pessoas, em um ato de desabafo, “se empolgam” e acabam falando muito mal da empresa ou de seus funcionários, o que interfere diretamente na credibilidade e reputação da empresa.

Afinal de contas, até onde vai o direito de reclamar do consumidor? Existem ou não limites para tal reclamação? O consumidor pode expressar sua queixa nas redes sociais ou isto é proibido? Vamos responder estas perguntas a seguir.

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O direito de reclamar está totalmente ligado a outros direitos que estão assegurados constitucionalmente: o direito à liberdade de expressão e à livre manifestação de pensamento (sendo vedado o anonimato). Estes direitos garantem ao cidadão a liberdade de se expressar, de dar a sua opinião, criticar, expor seus pensamentos, tudo isso sem censura.

Contudo, como todos os outros, estes direitos não são absolutos; ou seja, podem sofrer limitações. Na relação consumerista, em casos de reclamação, o direito de se expressar e expor seu pensamento entra em conflito com outro direito fundamental, presente no inciso X, do art. 5º que diz:

X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

O que muita gente não sabe é que esta inviolabilidade não está restrita apenas às pessoas físicas, pois se estende às pessoas jurídicas também.  Apesar de não possuir honra subjetiva, voltada ao decoro e autoestima, a pessoa jurídica é titular de honra objetiva e, de acordo com a Súmula 227 do STJ, pode sofrer dano moral se a empresa comprovar a efetiva lesão a seu nome, reputação, credibilidade ou imagem, a ponto de prejudicar sua atividade comercial. (1)

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Para exemplificar este choque de direitos, veja este caso publicado pelo site do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios – TJDFT (2), ocorrido em 2014, da 6ª Turma Cível do TJDFT que confirmou sentença da 4ª Vara Cível de Brasília, condenando uma consumidora a pagar indenização à empresa de móveis, reduzindo, apenas, o quantum indenizatório:

Consta dos autos que a consumidora adquiriu produtos do mostruário de uma loja de móveis. No entanto, no ato da entrega das mercadorias em sua residência, não observou que o tecido de uma das poltronas estava rasgado e assinou o termo de recebimento dos produtos sem qualquer ressalva. Inconformada com as alternativas apresentadas pela empresa, que alegou que o dano se deu durante o transporte da mobília, a consumidora expôs o caso no “Reclame Aqui”, sítio da internet que funciona como mural de reclamações de fornecedores que desrespeitam o consumidor.

O juiz originário reconhece que a ré tem o direito de registrar sua insatisfação com a qualidade dos serviços prestados pela autora, por intermédio de sítio eletrônico destinado a essa finalidade e de redes sociais. "No entanto, o exercício do direito de reclamação da ré sofre limitações, uma vez que não pode ser exercido de maneira abusiva", ressalta. No caso em tela, "a ré não se limitou a externar sua insatisfação com o serviço, mas fez questão de denegrir a imagem da empresa, atribuindo a seus funcionários condutas desabonadoras e desonrosas", acrescenta o magistrado.

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Os desembargadores, assim como o juiz originário, entenderam que a consumidora cometeu excesso e ultrapassou a mera exposição do pensamento, ferindo a honra objetiva da empresa, ou seja, sua reputação e imagem perante os demais consumidores. Dessa forma, evidenciado o abuso do direito de reclamar, o Colegiado confirmou a ilicitude do ato da consumidora, no entanto, reduziu o valor dos danos morais, de R$ 10 mil para R$ 2 mil.

Portanto, pode-se concluir que o consumidor tem sim, o direito de expressar seu pensamento, opinião e reclamação nas redes sociais, bem como em outros meios de comunicação. Porém, deve fazê-lo com muita cautela e responsabilidade. Ainda mais na internet, onde o autor perde o controle da extensão de sua publicação, por conta velocidade de transmissão das informações e do número indefinido de pessoas que ela pode alcançar.

O ideal seria efetuar a reclamação diretamente nos canais oficiais da empresa, e, caso não obtenha resposta, oficialize essa reclamação junto a um órgão de proteção e defesa do consumidor, como o Procon ou no site “Reclame aqui”. Mas se não for possível evitar a reclamação nas redes sociais, o consumidor deve ser responsável e consciente.

Se você sente a necessidade de reclamar de algum produto vendido ou serviço prestado por uma determinada empresa nas redes sociais, cuide para que não cometa excessos. Procure limitar a exposição apenas ao fato ocorrido que gerou a reclamação, de forma respeitosa, sem ofender, “xingar” ou desrespeitar os proprietários e funcionários.

Isso é necessário para que você não perca sua razão como consumidor e para evitar um processo judicial de reparação de danos. Afinal de contas, a tal empresa, ao se sentir difamada e desmoralizada com sua exposição, tem todo o direito de buscar amparo no Judiciário por meio das medidas judiciais cabíveis, objetivando a indenização pelos danos morais que lhe foram causados, bem como a retirada das postagens ofensivas.

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Lembre-se sempre desta frase valiosíssima, que serve para tudo nas nossas vidas e se encaixa perfeitamente no assunto abordado neste artigo: Minha liberdade termina onde começa a do outro.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

REFERÊNCIAS:

  1. https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-tema...
  2. https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2015/agosto/con...
  3. https://www.migalhas.com.br/depeso/291725/os-limites-para-a-reclamacao-d...
  4. https://noticias.reclameaqui.com.br/noticias/consumidor-ate-onde-vai-seu...

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