Trabalho em condições análogas à escravidão

Williane Marques de Sousa
Publicado em: qua, 28/07/2021 - 08:32

A origem da palavra trabalho vem do latim “tripalium” que remete a um instrumento de tortura. Logo, pode-se dizer que o trabalho está associado à noção de tortura, a um esforço excessivo. As primeiras formas de trabalho faziam jus a este termo: na Grécia Antiga, por exemplo, os escravos, que eram os trabalhadores da época, trabalhavam duro e sequer eram considerados gente e, por isso, não tinham direitos. Eram vistos como objetos.

O tempo passou e com o avanço da tecnologia, o trabalho mudou e com muita luta os trabalhadores começaram a conquistar os seus direitos. Foram de escravos, para servos, e de servos, para operários. No Brasil, houve a promulgação da Lei Áurea, em 1888, que aboliu formalmente no Brasil a escravidão e, consequentemente, a possibilidade de um ser humano ter a posse de outro. Porém, ainda existem reflexos dessa prática nos dias atuais.

Algumas pessoas são tratadas de formas inumanas no seu trabalho, principalmente na zona rural, sendo expostas a condições análogas à escravidão, ou seja, são tratadas de formas semelhantes à de um escravo. Essa prática, embora recorrente, é totalmente reprovável pelo nosso ordenamento jurídico, sendo considerada como um crime.

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Esta conduta está tipificada no art. 149 do Código Penal, que exemplifica as ações que são consideradas análogas à de escravidão e a pena para quem submeter pessoas a tais condutas. Além disso, o artigo ainda traz possibilidades de aumento de pena, como no caso de a vítima ser criança e adolescente. Veja:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1 o Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

Casos de aumento de pena:
§ 2 o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Em abril deste ano, 12 trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escravidão no Distrito Federal e em Goiás. O primeiro grupo, formado por seis pessoas, trabalhava em uma empresa de produção de hortaliças em Vicente Pires. Os trabalhadores eram expostos a substâncias tóxicas, viviam em alojamento precário, com fiações expostas, sem água potável para beber e apenas um deles tinha a carteira de trabalho assinada.

Já o segundo grupo, trabalhava em uma carvoeira em Alto Paraíso de Goiás. Eles não tinham acesso a banheiros, tinham que fazer suas necessidades no mato. Além disso, não tinham equipamentos de segurança para a realização do trabalho, os dormitórios eram precários, sem armários e cheio de insetos.

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Os responsáveis pelos dois locais foram autuados e tiveram que pagar, ao todo, R$ 44,9 mil de verbas salariais e rescisórias aos trabalhadores. Além disso, a equipe de fiscalização determinou a interdição das atividades e a imediata retirada dos trabalhadores, que foram alojados em outro local, com melhores condições.

As condições descritas acima, além de outras trazidas pela própria legislação como forçar alguém a trabalhar, impor jornadas exaustivas que causam danos à saúde do trabalhador e restringir a sua locomoção por conta de dívidas, são exemplos de condutas que se assemelham ao tratamento dado na escravidão. Todas essas ações ferem a dignidade da pessoa humana, humilham o trabalhador e desrespeitam boa parte dos seus direitos trabalhistas.

Tanto a Constituição Federal como a Consolidação das Leis Trabalhistas garantem uma série de direitos aos trabalhadores, tanto para os que trabalham no ambiente urbano como no rural. Isso porque o trabalhador se encontra numa relação desequilibrada com o seu empregador, por isso, merece ser amparado e protegido, para que não sofra abusos.

São exemplos de direitos do trabalhador: salário mínimo capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família; duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais; repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; gozo de férias anuais remuneradas; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas e seguro contra acidentes de trabalho. (art. 7º, CF)

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Portanto, todos os empregadores e patrões devem seguir as normas constitucionais e trabalhistas e sempre assegurar condições dignas de trabalho para todos os seus obreiros. Nenhum trabalhador merece ser submetido a tratamentos cruéis ou a condições de riscos à saúde e à segurança no seu trabalho apenas para adquirir seu sustento.

Uma forma de minimizar os casos de trabalho em condições análogas à de escravidão é a denúncia. O Ministério Público do Trabalho é o órgão responsável por combater situações de desrespeito aos direitos difusos, coletivos e individuais de relevante valor social, no campo das relações de trabalho. Ele disponibiliza o site https://mpt.mp.br/pgt/servicos/servico-denuncie para a realização de denúncias em casos de desrespeitos aos direitos trabalhistas.

Williane marques de Sousa
Estudante de Direito – Estagiária Unieducar

Referências:
https://www.conectas.org/noticias/como-a-lei-brasileira-define-o-trabalh...
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/04/02/doze-trabalh...

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