Tratamento humanitário à mulher presa gestante ou puérpera

Deborah Chrystine Peixoto Alves
Publicado em: sex, 15/07/2022 - 16:55

A dignidade da pessoa humana é elemento fundamental do constitucionalismo contemporâneo. Em nossa sistemática jurídica, foi consagrada expressamente no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, como critério orientador do Estado brasileiro, sendo considerada o valor constitucional supremo.

Devido à sua posição no âmbito constitucional, a ideia da proteção à dignidade humana deve servir não somente como razão para a decisão de casos concretos, mas principalmente como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica em geral (NOVELINO, 2021, 16ª edição, pág. 297).

O autor destaca ainda (pág. 298) que a dignidade, em si, não é um direito, mas uma qualidade intrínseca a todo ser humano, independentemente de sua origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito.

O aprisionamento de mulheres é um fenômeno que tem crescido significativamente no Brasil nas últimas décadas – o que provoca impactos diversos em relação às políticas de segurança e de administração penitenciária, bem como sobre as políticas específicas de combate à desigualdade de gênero.

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As mulheres em situação de prisão têm demandas e necessidades muito específicas, o que não raro é agravado por históricos de violência familiar e condições como a maternidade, a nacionalidade estrangeira, a perda financeira ou o uso de drogas (LEWANDOWSKI in BRASIL, 2016, pág. 10).

Recentemente, a Lei nº 14.326/2022 alterou a Lei de Execução Penal, para assegurar à mulher presa gestante ou puérpera tratamento humanitário antes e durante o trabalho de parto e no período de puerpério, bem como assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido.

Pela nova norma, será assegurado tratamento humanitário à mulher grávida durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como à mulher no período de puerpério, cabendo ao poder público promover a assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido.

Assim, além de assegurar tratamento humanitário antes e durante o trabalho de parto e no período de puerpério, a lei também prevê a obrigação do poder público de promover a assistência integral à saúde da mulher e à do recém-nascido.

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O texto legal não trouxe o conceito de tratamento humanitário. Mas existem diversos diplomas internacionais, relacionados aos direitos humanos, que preveem regras mínimas para o tratamento de presos.

Esses documentos ressaltam a necessidade do respeito à dignidade como valor inerente aos seres humanos, e a observância de critérios diante da situação especial das mulheres na administração da justiça, em particular, quando estão privadas de liberdade – o que abrange a prestação de serviços médicos e de saúde em tais casos.

São exemplos as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela) e as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok).

Podemos considerar, então, que o tratamento humanitário é aquele livre de constrangimento e violência, tanto em relação à mulher quanto ao recém-nascido. Pelas próprias circunstâncias do ambiente prisional, é evidente que a mulher presa – seja gestante ou puérpera – está em situação de extrema vulnerabilidade, assim como o nascituro. O agravamento da privação da liberdade pelo tratamento que viole o princípio da dignidade da pessoa humana pode gerar danos graves tanto para a mãe quanto para o bebê, que se estenderão em outras fases de suas vidas. A mulher presa – e a criança – são objetos de proteção, devendo ter seus direitos respeitados, a despeito da situação prisional em que a mãe se encontra.

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Essa atenção deve compreender desde os atos médico-hospitalares preparatórios para o parto até o período de puerpério imediato, compreendido entre o primeiro e o décimo dia pós-parto, e que tem início logo após a expulsão da placenta. Assim, a nova lei atende à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, ao incrementar os aspectos protetivos já previstos pela Lei de Execução Penal – que já exigia o acompanhamento médico à presa e ao bebê, principalmente no pré-natal e no pós-parto.

Deborah Chrystine Peixoto Alves
Advogada com especialização em Administração Pública

Bibliografia

LEWANDOWSKI, Ricardo, in BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Bangkok: Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras/ Conselho Nacional de Justiça, Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, Conselho Nacional de Justiça – 1. Ed – Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2016. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/1356677/regras-bangkok.pdf.

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. - 16. ed. rev., ampl. e atual. -Salvador: Ed. JusPodivm, 2021.

Lei nº 14.326, de 12 de abril de 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14326.htm.

https://www.camara.leg.br/noticias/866472-entra-em-vigor-lei-que-assegur...

https://www.camara.leg.br/noticias/856211-CAMARA-APROVA-PROJETO-QUE-BUSC...

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/16/senado-aprova-t....

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