Caixas eletrônicos inoperantes podem caracterizar danos morais coletivos

Deborah Chrystine Peixoto Alves
Publicado em: sex, 15/07/2022 - 15:39

O Direito do Consumidor é o conjunto de normas e princípios que tratam da sociedade de consumo em busca da promoção da tutela integral, sistemática e dinâmica da parte vulnerável na relação consumerista – ou seja, o consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) prevê, de modo expresso, que o seu regramento é aplicável aos serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.

Assim, temos que o legislador se empenhou em deixar claro que esse setor da economia presta, efetivamente, serviços ao consumidor – e que a natureza dessa prestação se estabelece tipicamente numa relação de consumo (NUNES, 12ª edição, 2018, pág. 99).

Atualização Jurídica - Direito do Consumidor na Atualidade
 

Em nosso cotidiano, é comum nos deparamos com a prestação insatisfatória dos serviços bancários.

Quem nunca passou pela situação de estar em um posto bancário, tentar fazer um saque e não haver dinheiro suficiente no caixa eletrônico, ou sequer uma máquina funcionando corretamente?

Há ainda a questão de o atendimento nas agências bancárias ser moroso, e os clientes permanecerem na fila por mais tempo do que o limite usualmente previsto em lei. Vários diplomas legais, estaduais e municipais, estipulam um tempo máximo para a prestação dos serviços presenciais – e são frequentemente desrespeitados.

Todas essas são situações aborrecidas e frustrantes. Mas são suficientes para configurar a ocorrência de um dano moral ao consumidor?

Em um julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) abordou o problema.

Primeiramente, ficou decidido que o mero desrespeito à legislação local acerca do tempo máximo de espera em filas, por si só, não conduz à responsabilização por danos morais.

CAVALCANTE (2022) aponta que o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais. No entanto, tal fato representa relevante critério, que, aliado a outras circunstâncias de cada hipótese concreta, pode fundamentar a efetiva ocorrência de danos extrapatrimoniais, sejam individuais, sejam coletivos.

Direito do Consumidor - Proteção Contratual e Sanções Legais
 

Assim, ao lado do excesso de tempo de espera em fila por tempo superior ao previsto na legislação, é necessário considerar outros quesitos, como, por exemplo, se essa situação é reiterada, se há justificativa plausível para o atraso, se a violação do limite máximo foi substancial, se o excesso de tempo em fila encontra-se associado a outras falhas na prestação de serviços etc.

No caso em concreto que originou o julgado, os fatos foram suficientes, porém, para deixar evidente a ocorrência do dano moral coletivo.

Para NUNES (pág. 253), o dano moral é aquele que afeta a paz interior de cada um. Atinge o sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É, pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo; o autor frisa (pág. 253) que no dano moral não há prejuízo material, de modo que a indenização nesse campo possui outro objetivo, de natureza satisfativa-punitiva.

Já TARTUCE e NEVES (2021, 10ª edição, pág. 68) ensina que o dano moral coletivo é modalidade de dano que atinge, ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis (danos morais somados ou acrescidos).

Deve-se compreender que os danos morais coletivos atingem direitos individuais homogêneos e coletivos em sentido estrito, em que as vítimas são determinadas ou determináveis.

Na situação analisada pela Corte, o número de caixas eletrônicos sem funcionar, ou que não disponibilizavam dinheiro o suficiente para saques – e a subsequente morosidade provocada por tais falhas na prestação do serviço – foram de tal monta que levaram à condenação.

Os bancos não apenas foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, mas também à adoção de medidas para corrigir essas falhas, de forma a prestar um serviço adequado à população.

O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos, subjacentes à função social da atividade produtiva e aos deveres de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, que são impostos aos fornecedores de produtos e serviços. A proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve, portanto, ser realizada sob a vertente coletiva.

Dessa maneira, o entendimento da Justiça foi no sentido de que a inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos (STJ. 3ª Turma. REsp 1.929.288-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2022, Info 726).

CAVALCANTE destaca ainda que o dano moral está configurado com a mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.

Por esse motivo, não foi aceita a alegação de ausência de prova do dano efetivo, feita pelos representantes dos bancos, como argumento idôneo para isentá-los de responsabilidade.

Atualização Jurídica - Direito do Consumidor – Defesa do Consumidor em Juízo
 

Deborah Chrystine Peixoto Alves
Advogada com especialização em Administração Pública

Bibliografia
CAVALVANTE, Márcio André Lopes. Dizer o Direito – Informativo comentado: Informativo 726-STJ. Março de 2022. Disponível em: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/03/info-726-stj.pdf.
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. – 12. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
TARTUCE, Flávio e NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual, volume único. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021.

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