Ciclovias e ciclofaixas – você é contra ou a favor?

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: qua, 21/04/2021 - 15:41

O ponto de partida para este artigo é uma ‘fake news’. Circula na internet, especialmente em redes sociais e aplicativos de mensagens, que o CEO do Euro Exim Bank Ltd supostamente teria feito o seguinte comentário:

“Um ciclista é um desastre para a economia do país: ele não compra um carro e não toma um empréstimo, não compra um seguro de carro, ele não compra combustível, ele não envia seu carro para serviços e reparos – ele não usa estacionamento pago. Não causa acidentes graves, não exige rodovias com várias faixas – não se torna obeso – sim … e que droga! Pessoas saudáveis não são necessárias para a economia. Eles não compram remédios; Eles não vão a hospitais e médicos Eles não adicionam nada ao PIB do país. Por outro lado, cada nova loja do McDonald’s cria pelo menos 30 empregos: 10 cardiologistas, 10 dentistas, 10 especialistas em perda de peso, além das pessoas que trabalham no McDonald’s. Escolha sabiamente: um ciclista ou um McDonald’s? Vale a pena pensar hein! PS: caminhar é ainda pior. Eles nem compram uma bicicleta”.

Importante repisar que a referida frase já está devidamente classificada como um boato pelo site boatos.org. Ou seja, o suposto CEO desse banco jamais disse coisa do tipo. Acesse o link do boato ao final do artigo, em referências.

Pois bem. Em um dos grupos de estudo dos quais participo, essa mensagem foi a fagulha para algumas considerações sobre a utilização de recursos públicos para a implantação, construção, reforma e ampliação de ciclofaixas nas cidades Brasil afora. É necessário frisar que a presente abordagem é por demais superficial, tendo em vista a profusão de estudos os mais variados, desenvolvidos no âmbito da Academia, pelos mais diversos experts no assunto, especialmente Arquitetos, Urbanistas e Engenheiros especialistas em transporte e mobilidade urbana.

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Muito comum que esse tipo de debate tenha início com a reclamação de usuários de carros, que se sentem ‘prejudicados’ com a implantação de ciclofaixas. Em Fortaleza, há alguns anos, o prefeito anterior começou a implantar centenas de quilômetros de ciclovias, ciclofaixas e faixas exclusivas para o transporte público. Muitos cidadãos ficaram (e ainda estão) ‘revoltados’ pela restrição de faixas para o transporte individual em veículos particulares.

Precisamos inverter essa lógica de priorização do privado em detrimento do público. Por vários motivos. Além do fato de que é impossível suprir a demanda por mais e mais faixas destinadas a carros, usados – prioritariamente - para o transporte de um único passageiro, ocupando espaço em vias públicas e exigindo o aporte de cada vez mais dinheiro do contribuinte, em forma de viadutos e túneis, por exemplo.

O Brasil possui uma Lei Nacional de Mobilidade Urbana, a Lei No. 12.587/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Em seu Art. 5º o referido diploma legal indica os seguintes princípios fundamentais:

I - Acessibilidade universal;
II - Desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais;
III - Equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo;
IV - Eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano;
V - Gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana;
VI - Segurança nos deslocamentos das pessoas;
VII - Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços;
VIII - Equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e
IX - Eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.

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Os nove princípios sobre os quais se assenta a referida norma apontam não só para uma compatibilidade entre a priorização do transporte público em detrimento do privado individual. Mais! Na verdade, a leitura cuidadosa dos referidos princípios indica que a Administração Pública vem falhando na adoção de medidas que garantam os direitos assegurados na legislação referenciada.

O exame sobre a existência e/ou implantação/ampliação de ciclofaixas vai muito além. Eu pedalo, mas faço isso como lazer, simplesmente. Contudo, no Brasil temos milhões de miseráveis trabalhadores que nem o dinheiro para o transporte têm. Usam as ciclofaixas como salvaguarda de suas vidas, no deslocamento casa-trabalho-casa. Pedalam milhares de quilômetros por mês, para levar o pão de cada dia para sua casa, alimentando seus filhos e cônjuges.

Além disso, em cidades que sofrem com milhões de casos de doenças respiratórias todos os anos, quem usa bike deveria era receber um subsídio do Estado, por contribuir para desafogar o sistema de saúde, seja o privado e principalmente o público.

Há estudos produzidos pela Academia apontando que o custo de implantação de um quilômetro de ciclofaixa é muito, mas, muito inferior ao de uma estrada. Noutros estudos, as abordagens avaliam a adequação e viabilidade de integração de ciclovias e ciclofaixas com outros modais, como ônibus e metrô, por exemplo. 

Curso Zoneamento Urbano e Questões Relacionadas à Guetização das-Cidades
 

Ao abordarmos a questão sob o ponto de vista de justiça social, é imprescindível relembrarmos que nosso sistema tributário funciona como um Robin Hood ao contrário, sugando recursos dos pobres para financiar cada vez serviços, prioritariamente para os mais ricos. 

Fortaleza é apontada pelo IBGE como a 9ª. maior capital em PIB - Produto Interno Bruto. Dentre as capitais do Nordeste, situa-se em 1º lugar. Contudo, a má distribuição de renda revela parcela de miseráveis que sequer têm dinheiro para usar uma ciclofaixa (porque nunca conseguiu comprar uma bicicleta). Um estudo do Ministério Público do Ceará, publicado em 2017, descobriu uma população de ‘trabalhadores’ (subempregados) que o estudo classifica como uma população flutuante de moradores em situação de rua. Por morarem em cidades vizinhas, acabam vivendo nas ruas da capital durante a semana, dormindo em ruas e praças no Centro da cidade, por absoluta falta de dinheiro para voltar – diariamente – às suas residências na região metropolitana da grande Fortaleza.

É preciso levar em conta que o Brasil cobra mais impostos dos mais pobres, aliviando a carga tributária junto à camada mais rica de nossa sociedade. Se você quiser saber mais sobre isso, acesse o artigo: Brasil cobra mais imposto dos mais pobres e o que é possível fazer para corrigir isso. Assim, faz todo sentido priorizarmos a aplicação de verbas públicas para melhorar o acesso dos mais pobres, por meio de transporte público e com ciclofaixas e ciclovias. 

A capital cearense é uma das cidades brasileiras recordista no uso de bicicletas. Um estudo da UFC – Universidade Federal do Ceará revela o perfil do público usuário e a ressignificação da bicicleta por aqui. Mais de 80% da utilização é realizada por trabalhadores e estudantes. O pesquisador do Laboratório de Estudos em Política e Cultura (Lepec), da UFC, Irapuan Peixoto fala que o uso da bike:

"tem um impacto qualitativo social muito forte, de você começar a se importar com o outro, com a cidade, com a natureza. Porque no afã dos grandes deslocamentos, uma cidade grande tende a se tornar fria".

A bicicleta será, sempre, uma solução adequada para qualquer lugar, independente de densidade; renda; distância de locomoção diária entre residência e trabalho etc. O que falta é uma visão ampliada para as possibilidades que o modal comporta. É preciso ação do Estado para viabilizar integração entre modais. E os equipamentos de uso compartilhado, integrando terminais de transporte público são um óbvio entrelaçamento de usabilidade.

Acrescentaria ainda que para as cidades com acidentes geográficos (morros etc.) há a motorização elétrica que pode (deve) ser oferecida nos equipamentos de compartilhamento. Os exemplos de países que já adotaram a bike como transporte mundo afora aglutinam uma diversidade desses fatores: renda, distância, densidade etc.

Quer uma dica de documentário sobre o tema? Assista ao filme completo Bikes Vs Cars para ter uma noção melhor de como as cidades estão (ou não estão) enfrentando o problema.

Pra encerrar esse breve post, quero deixar aqui uma dica sobre o DOTS – Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável. O DOTS funciona como uma base conceitual ao desenvolvimento de projetos urbanos em todo o planeta. O DOTS tem 8 princípios, consolidados pelo ITDP em 2010, a seguir indicados: 1 – Caminhar; 2 – Pedalar; 3 – Conectar; 4 – Transporte Público; 5 – Misturar; 6 – Adensar; 7 – Compactar; e 8 – Mudar. Quer saber mais sobre como aplicar no Brasil? Acesse a Ferramenta para Avaliação do Potencial de DOTS em Corredores de Transporte, elaborado em 2014 pelo ITDP.

 
Prof. Dr. Juracy Soares
É professor universitário, fundador da Unieducar. É fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis; Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito; Possui Certificação em Docência do Ensino Superior; É pesquisador em EaD/E-Learning; Autor do livro Enrqueça Dormindo.

REFERÊNCIAS:
BRASIL, Lei Nacional de Mobilidade Urbana, Lei No. 12.587/2012
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm
CEARÁ. Ministério Público do Estado do Ceará. População em Situação de Rua. 2017.
Disponível em:
http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2017/01/Manual_CAOCidadania_PSR...
BRASIL, IBGE. Cidades@. 2020.
Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/
https://portoimagem.wordpress.com/2011/06/21/imagem-interessante-espaco-...
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/metro/uso-da-bicicleta-em-fo....
https://www.boatos.org/mundo/ceo-euro-exim-bank-ciclistas-desastre-econo...

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