Estado de sítio durante a pandemia. Porque não foi decretado

Williane Marques de Sousa
Publicado em: qui, 29/04/2021 - 15:17

A nossa constituição federal de 1988 prevê em seu texto algumas medidas extraordinárias que podem ser decretadas, com uma série de condições, para restabelecer ou manter a continuidade da normalidade constitucional que se encontra ameaçada por determinadas situações, em outras palavras, para que o país não entre em colapso por conta de uma situação inesperada e, por que não dizer, perigosa. Duas destas medidas estão previstas nos art. 136 e 137 da Constituição Federal, a qual se referem respectivamente ao Estado de Defesa e ao Estado de Sítio.

Um exemplo concreto e atual de uma “situação inesperada e perigosa” que se pode citar é a pandemia do coronavírus, que registrou seus primeiros casos aqui no Brasil no final de fevereiro de 2020, e que já atingiu o mundo todo, vitimando várias pessoas. Mas será que a decretação de alguma dessas medidas, estado de defesa e estado de sítio, seria cabível no atual cenário em que vivemos? Vamos descobrir a seguir.

O art. 136 da CF afirma que o estado de defesa será decretado para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza, o que não é o caso da pandemia do coronavírus. Já o estado de sítio, previsto no art. 137 da CF, poderá ser decretado em casos de I- comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; e II- declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

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O atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, já levantou publicamente a ideia de declarar um Estado de Defesa, no ano passado, e citou o Estado de Sítio, em março deste ano. Conforme o site BCC News (1), o presidente entrou, em março deste ano, com uma ação no STF em que compara as medidas criadas pelos governadores, como por exemplo, lockdown e toque de recolher, para conter a pandemia com o Estado de Sítio. José Levi, que na época era o Advogado-Geral da União, se recusou a assinar o pedido ao STF, que foi entregue à corte com a assinatura do próprio Bolsonaro. O relator do pedido no STF, o ministro Marco Aurélio Mello, arquivou a ação sem analisar o mérito, considerando que ela era inválida sem a participação da AGU.

Bolsonaro tenta comparar as duas situações porque o toque de recolher, ou seja, a restrição de circulação em certos horários, é uma medida que também pode acontecer durante um Estado de sítio. Porém, pode-se afirmar que o presidente estava equivocado ao fazer esta comparação. Primeiramente, porque o estado de sítio só poderá ser decretado pelo presidente, com uma série de condições específicas e a sua decretação ainda precisa ser autorizada pelo Congresso Nacional. Ademais, além da restrição de circulação em certos horários, o estado de sítio impõe outras várias restrições e limitações de direitos e garantias, quais sejam:

obrigação de permanência em localidade determinada; detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; suspensão da liberdade de reunião; busca e apreensão em domicílio; intervenção nas empresas de serviços públicos e a requisição de bens. (art. 139, CF)

Com isso, vemos que não seria proporcional e nem necessário decretar o estado de sítio durante a pandemia, pois, se fosse decretado, haveria uma série de outras restrições e limitações dos nossos direitos e garantias fundamentais, sem necessidade. Além disso, são medidas de natureza diferentes: o estado de sítio seria mais adequado quando houvesse a necessidade de defesa interna, ou instabilidade institucional por causa de uma crise militar ou política; já as medidas restritivas utilizadas por alguns estados brasileiros foram utilizadas como uma resposta a uma crise sanitária e de saúde pública.

O que de fato aconteceu no nosso país foi a decretação de Estado de Emergência e Estado de Calamidade, respectivamente.  A diferença entre ambos é bem simples: o estado de emergência é decretado quando há possibilidade iminente de surgirem danos à saúde, à população e aos serviços públicos, por isso, antes que houvesse a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde publicou uma portaria declarando emergência na saúde pública, por se tratar de um perigo iminente de contágio do vírus. Já o estado de calamidade, é decretado quando há a efetiva ocorrência de danos à saúde pública e não mais apenas a possibilidade de dano e, por isso, quando houve diversas confirmações de casos de covid-19 no país, inclusive casos fatais, foi declarado o estado de calamidade pública no Brasil, pelo Presidente da República com aprovação do Congresso Nacional.

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O estado de calamidade pública permite que o Governo aumente os gastos públicos para combater a disseminação do dano presente (coronavírus) principalmente no que se refere à disponibilização de recursos para os Estados e Municípios, além de ser dispensado de atingir a meta fiscal anteriormente imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

As medidas extraordinárias que acabamos de analisar, bem como as restrições impostas pelos estados brasileiros a fim de amenizar a disseminação do coronavírus, só são possíveis por uma razão: nenhum direito e nenhuma liberdade são absolutos. Para isso, é necessário que se observe o princípio da proporcionalidade, onde serão analisadas a adequação e a necessidade das respectivas medidas e restrições de direitos; por meio desse princípio e de acordo com o caso concreto será observado qual direito deverá prevalecer. Atualmente, o que se observa é que o direito à vida e à saúde deverão predominar na sociedade, mesmo que outros direitos constitucionais sejam limitados, como o direito de locomoção.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

REFERÊNCIAS:

  1. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56464802
  2. https://www.migalhas.com.br/coluna/constituicao-na-escola/322829/estados...

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