Feminicídio e “Legítima Defesa da Honra”

Williane Marques de Sousa
Publicado em: seg, 15/03/2021 - 19:39

O feminicídio pode ser definido como sendo o homicídio praticado contra a vida de uma mulher simplesmente pela condição dela ser mulher e/ou por razões da condição do sexo feminino (gênero). Essa condição é essencial para que se caracterize o crime de feminicídio, visto que se não houver essa motivação a ocorrência do crime será apenas de femicídio, que é a prática de homicídio contra mulher, por razões diversas.

Embora não se trate de um fato recente, o crime de feminicídio só foi incluído no nosso Código Penal (CP) no ano de 2015 por meio da Lei No. 13.104, que inseriu este crime no rol do § 2º do Art. 121 do CP, caracterizando-o como homicídio qualificado:

Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido: (...).
VI – contra a mulher por razões de condição de sexo feminino; (...).Pena- reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2º-A. Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A inclusão desse crime no Código Penal como qualificadora de homicídio foi muito importante, visto que o índice de assassinato de mulheres é sempre alto. Dados publicados pelo G1 (1) mostram que, de 4.000 mulheres assassinadas por ano, 900 se enquadram no crime de feminicídio. Ou seja, 900 mulheres por ano têm suas vidas ceifadas pelo simples fato de serem mulheres, fora os casos que não são notificados às autoridades, o que torna o número ainda maior e mais assustador.

No caso do estado do Ceará, por exemplo, foi detectada a existência de 74% mais feminicídios do que os informados pela polícia cearense, conforme o site da Agência Brasil (2). Logo, o número de ocorrências desse crime hediondo contra as mulheres é muito maior do que o divulgado pela mídia. Isso acontece porque, muitas vezes, os casos são registrados da forma errada, classificando como homicídio o que na realidade foi um feminicídio.

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Conforme divulgado pela UOL (3) o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH), perdendo apenas para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia em número de casos de assassinato de mulheres.

Devido à pandemia da coronavírus e as consequentes restrições de deslocamento impostas, muitas mulheres foram obrigadas a passar mais tempo em suas casas, aumentando a convivência com seus agressores. Dados divulgados pelo projeto “Um Vírus Duas Guerras” (4) apontam que, desde que a pandemia começou, 497 mulheres perderam suas vidas. Foi um feminicídio a cada nove horas entre março e agosto; uma média de três mortes por dia.

Infelizmente, a prática do feminicídio é fruto de uma sociedade culturalmente machista e patriarcal, em que o homem sempre foi tido como um ser superior e como o sinônimo de força e superioridade junto à ideia de submissão e inferioridade da mulher. Essa cultura é tão impregnada na nossa sociedade que a violência contra a mulher acaba sendo descriminalizada do ponto de vista moral e social, fazendo parecer que o homem realmente tem esse direito de fazer o que bem quiser com sua esposa, com sua filha, mãe, irmã, etc.

Os homens machistas se sentem tão superiores que não aceitam o fato de uma mulher ter o mesmo cargo ou ganhar o mesmo salário deles. Não aceitam que as mulheres tenham as mesmas atitudes que eles e nem que desfrutem da liberdade que eles acham que são os únicos detentores. E é justamente quando a mulher se impõe, rompendo essa hierarquia, que o crime de feminicídio acontece, visto por eles como a única forma de colocar a mulher em “seu lugar de submissão”.

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Essa cultura patriarcal é tão enraizada na nossa sociedade que existem pessoas que justificam a prática do crime de feminicídio alegando que o autor estava apenas defendendo a sua honra. Por incrível que pareça, até advogados estão usando essa justificativa para inocentar seus clientes em tribunais de júri, se escondendo atrás da plenitude de defesa, alegando que o mesmo só agiu em “legítima defesa da sua honra” e, por isso, não devem ser penalizados.

Essa questão foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) que começou a julgar, no dia 05/03 se impede o uso da tese de “legitima defesa da honra” em casos de feminicídio por advogados. Segundo o site Agência Brasil (5) o ministro Dias Toffoli concedeu uma liminar (decisão provisória) em que afirma ser inconstitucional este argumento de defesa e escreveu que se trata de um argumento “odioso, desumano e cruel”, pois visa “imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões”.

O julgamento sobre o tema ocorreu em plenário virtual, onde os magistrados incluem seus votos em um sistema eletrônico no computador, e foi encerrado na sexta feira (12/03). Felizmente, conforme divulgado pelo site G1 (6), o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade que a tese da legítima defesa da honra não pode ser aplicada em julgamentos nos tribunais do júri como argumento de defesa em casos de feminicídio.

Para os 11 ministros do STF, a tese contraria princípios da Constituição, como o da dignidade da pessoa humana e o da igualdade de gênero. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, foi além do quesito previsão legal e citou a influência que a nossa cultura tem sobre esse tipo de tese: "Vivemos em uma sociedade marcada por relações patriarcalistas, que tenta justificar com os argumentos mais absurdos e inadmissíveis as agressões e as mortes de mulheres, cis ou trans, em casos de violência doméstica e de gênero", disse ele.

Essa decisão do STF foi de extrema importância para que a justiça seja realmente efetivada nos casos de feminicídio. Por mais que a honra do homem seja um bem jurídico a ser tutelado e também um direito fundamental do ser humano, a vida também o é. Porém, não existe direito absoluto e, nos casos de conflitos entre direitos, o juiz deverá valer-se do princípio da proporcionalidade para dizer qual o direito deverá prevalecer no caso concreto. Isso nos faz refletir: será mesmo que existe a possibilidade do direito à honra se sobressair ao direito à vida...?

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Visto que a prática do feminicídio é um fato decorrente de uma bagagem cultural e social, marcada pelo machismo e pelo patriarcado, a justiça e a especificação penal desse crime não serão capazes de resolver o problema, embora sejam de grande importância. É necessário desconstruir esses costumes, tanto por parte dos homens (como agentes), como também por parte das mulheres, pois muitas delas cresceram acreditando que, por serem mulheres, são inferiores e devem submissão aos homens. Essa quebra cultural pode se dar através da conscientização popular, iniciando a abordagem do tema desde os primeiros anos escolares, propagando a igualdade entre os sexos prevista no art. 5° da nossa Constituição, que diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” e, sendo a vida um dos direitos fundamentais e mais importantes do ser humano, deve ser respeito, independente da condição de sexo da pessoa. 

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

 

REFERÊNCIAS:

  1. https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/cresce-n-de-mulheres-v...
  2. https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2021-03/cinco-estados-s...
  3. https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/feminic...
  4. https://projetocolabora.com.br/especial/um-virus-e-duas-guerras/
  5. https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2021-03/stf-julga-se-ba...
  6. https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/03/13/stf-proibe-por-unanimid...

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