Na Pandemia, torture os números. E confessarão o que você quiser

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: sex, 12/03/2021 - 14:22

Recebi em uma ‘corrente de WhatsApp’ uma nota de autoria de um ‘jornalista’ com supostas acusações de que os governos estaduais estariam a desviar ou ‘represar’ doses de vacinas. A ‘matéria’ apontava que – das doses enviadas pelo ministério da Saúde – apenas cerca de 50% a 60% estariam sendo aplicadas. Esse ‘jornalista’ estaria alimentando uma teoria da conspiração com a narrativa de que os governadores estariam interessados na potencialização da pandemia, para receber mais recursos etc.

Esse é o tipo de mensagem de WhatsApp - que é facilmente disseminada, como um rastilho de pólvora - atinge em cheio a emoção das pessoas que, sem se socorrerem à razão, vão – simplesmente – repassando a mensagem. Foi então que elaborei uma resposta à ‘corrente’, mais ou menos na seguinte linha:

Existe uma frase que tem algumas variantes. Uma dessas é mais ou menos assim: “Torture os números até que eles confessem o que você quer”.

O ‘jornalista’ em questão faz exatamente isso. Ele ‘torturou os números’ para que a ‘sua verdade’ aparecesse do jeito que ele quis, conforme a sua conveniência. Obviamente o que é conveniente ao dito ‘jornalista’ – ao que parece – é o fomento ao caos social. E – como Jornalista que diz ser – a sua responsabilidade deveria ir ao encontro da verdade, recorrendo a fontes oficiais.

Vamos, portanto, aos números: Aqui no Ceará, por exemplo, todos os dados de vacinação são prontamente disponibilizados para o Ministério da Saúde. O Ceará é um dos estados com o maior índice de transparência na vacinação. Essa informação pode ser rastreada até pelo site da EBC – Agência Brasil, uma empresa Estatal, de propriedade do Governo Federal. E o link para acesso aos dados de vacinação está disponível na referência 1, ao final desse texto.

A ‘tortura’ a que submete os números o referido ‘jornalista’ – que age com má fé ou com desconhecimento – é que aqui no Ceará, por exemplo, de todas as doses que chegam, 50% devem ser reservadas para a 2ª aplicação. Isso é lógico quando temos uma campanha de vacinação baseada em imunológicos que requerem 2 fases. Então, até que todas as doses distribuídas tenham sido aplicadas (em 1ª e 2ª etapa), o ‘descompasso’ entre o número de doses encaminhadas e o aplicado permanece.

Curso Infecção Hospitalar – Gestão de Mídia e Comunicação na Área de Saúde
 

Aí eu fiz uma pergunta retórica: Se o Ceará está ‘sonegando’ vacinas, por que o governo federal não envia para cá uma força tarefa da PF para mandar investigar o caso e prender os responsáveis? O governo federal tem a seu dispor todo o aparato para analisar com lupa a transparência dessa dinâmica.

Ainda mais sendo o Ceará e o Piauí, governados pelo PT, não seria uma boa propaganda para o governo federal escancarar esse tipo de ‘fraude’ por parte desses governos petistas?

A verdade nua e crua é que há muitos responsáveis por essa pandemia. Na verdade, talvez nem possamos apontar *UM ÚNICO* inocente. Desde os governos federal, estaduais, distrital e municipais que, lá em 2012 decidiram que, mais importante que hospitais, seria construirmos estádios de futebol. Sim, esse debate foi intenso no pré-copa. E os argumentos de políticos e ‘estrelas do futebol’, alinhados à maioria da imprensa, sepultavam qualquer tentativa de debate nesse sentido. Mas a atuação do atual governo federal desde março de 2020 foi e tem sido sofrível.

Cada um de nós tem uma parcela de culpa pelo fato de eventualmente nos descuidarmos. Devemos também compartilhar – como humanidade – a culpa pelo fato de – em pleno século 21 estamos degradando o meio ambiente ao ponto de potencializarmos a transmissão de vírus que são endêmicos de animais para seres humanos.

Mas o governo atual tem forte participação também. Desde as ‘previsões’ de que a ‘gripezinha’ mataria 800 pessoas (feita pelo presidente em março de 2020) até 2.500 pessoas (pelo médico / ministro Osmar Terra) até todas as negativas de compra de vacinas quando nos foram fartamente ofertadas, passando pelos xingamentos à ‘vachina’ e outras negações... Se tivéssemos agido proativamente, o Brasil poderia sonhar em sair da pandemia nos próximos 90 dias (vide administração Biden nos EUA).

Os principais líderes de esquerda, direita, centro esquerda e centro direita (todos) acreditaram na vacina e estão ávidos por tirar os seus países da pandemia. Já o Brasil é atualmente o líder mundial em mortes diárias.

Curso Infecção Hospitalar – Fundamentos do Controle
 

Esse tipo de matéria do ‘jornalista’ referenciada não só desinforma. Parece querer criar uma cortina de fumaça para os desgovernos de que somos vítimas. E sabe o que é mais patético? É sermos envergonhados mundialmente (de novo; novamente) com um programa de vacinação que já foi exemplo para o mundo, sendo o responsável por transformar o país em exemplo do que não se deve fazer em uma pandemia. 

Com o Brasil superando diariamente 2.000 mortes por dia e praticamente todos os estados indo para medidas mais duras de isolamento, foi então que um outro colega fez a seguinte observação ou questionamento: “Só ainda não entendi por que não houve Lockdown nas eleições! Acho que o vírus deu uma pausa naquela época.”

Então – novamente – fiz uma pequena pausa para rascunhar algumas considerações a respeito:

Algumas situações podem dar pistas sobre como chegamos na atual situação:

Antes das eleições o Brasil havia tomado medidas de restrição que resultaram em queda no número de mortes. Mas isso não significava que poderíamos – todos – nos esbaldar em comícios por todo o país, mais festas de réveillon e até no carnaval.

Curso Infecção Hospitalar – Prevenção e Controle pelo Profissional de Enfermagem
 

Já o vírus não tem nada a ver com isso. Seu objetivo é se perpetuar. E nessa ‘missão’, um desdobramento natural é a mutação, que decorre de ‘falhas de replicação’ genética, o que acaba potencializando a sua ‘sobrevivência’. Essas mutações (variantes ou cepas) podem causar efeitos os mais diversos no hospedeiro, como agravamento de sintomas, mais tempo de permanência nos hospitais e até aumento da velocidade de disseminação.

Sobre esse tópico acima, é necessário destacar que o governo – emparedado pela explosão de contágio no Amazonas no final de 2020, em vez de ter se antecipado, construindo hospitais de campanha e realizando a contenção dos doentes, optou por transferir pacientes Brasil afora, o que poetncializou a disseminação de novas variantes pelo país.

E esse é um outro ponto: quanto mais tempo levamos para imunizar, mais tempo somos obrigados a conviver com variantes (mutações genéticas do mesmo vírus que têm por objetivo enganar o sistema imunológico do hospedeiro). Dessa forma vamos prolongando a crise, nos isolando do resto do mundo, tendendo a transformarmo-nos em um repositório de variantes, uma vez que fomos incapazes de deter as mutações em curso com a vacina.

Curso Prevenção e Controle de Infecções na Área da Saúde
 

Esses efeitos que estamos sofrendo agora são desdobramentos, portanto, de uma série de situações, como a potencialização da disseminação nas eleições + réveillon + carnaval + variantes mais potentes + falta de vacina + resistência ao uso de máscaras e por aí vai...

E há muitos outros desdobramentos que ainda sofreremos depois que a pandemia acabar. Imagine o que acontecerá quando os países mais ricos do mundo (que vão sair da crise muito antes que nós) voltarem a comprar commodities no volume que compravam na pré-pandemia? Será que o vendedor de soja, milho etc., vai querer vender barato no Brasil enquanto o preço explode lá fora? Esse será o ‘efeito inflação’, que já se manifesta. Quem já foi ao supermercado, sabe o que estou falando (isso porque as safras futuras já foram negociadas e os preços futuros continuam a subir).

Há ainda um efeito ambiental que o médico e cientista Miguel Nicolelis alerta em vídeo, que pode ser a alta taxa de contaminação do lençol freático pelo coronavírus. Hoje já é possível detectar o vírus nos esgotos, rios e mares. Os países que vão comprar, certamente vão examinar os alimentos – pelo menos – para checar se há contaminação nesses casos.

Cursos em Saúde
 

Nessa semana tivemos uma notícia alentadora. Por absoluta pressão dos prefeitos e governadores, o Congresso Nacional aprovou e o presidente sancionou o Projeto de Lei (PL) 534/21 (2) que permite que entes subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), além de pessoas jurídicas de direito privado adquiram diretamente vacinas com registro na ANVISA. 

Prof. Dr. Juracy Soares
É professor fundador da Unieducar. É fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis; Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito; Possui Certificação em Docência do Ensino Superior; É pesquisador em EaD/E-Learning; Autor do livro Enrqueça Dormindo.

REFERÊNCIAS:

  1. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-02/com-vacinometros-...
  2. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-03/bolsonaro-sancion...

Nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais iconográficos publicados no espaço “opinião” não refletem necessariamente nosso pensamento, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.