Pandemia mata mais pobres e negros do que ricos e brancos

Williane Marques de Sousa
Publicado em: seg, 29/03/2021 - 16:53

Atualmente estamos vivendo tempos difíceis devido à pandemia da covid-19, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves (1). Tudo começou em dezembro de 2019 em que houve o primeiro caso da doença em Wuhan, na China, e ainda no primeiro trimestre de 2020, diversos países reportaram casos da doença, enquanto o número de infectados aumentava cada vez mais.

O Brasil identificou a primeira contaminação pelo novo coronavírus no final de fevereiro de 2020, enquanto a Europa já registrava centenas de casos de covid-19. A declaração de transmissão comunitária no país veio em março, mês em que também foi registrada – no Brasil - a primeira morte pela doença, conforme publicado pela Agência Brasil (2).

Apesar de todas as medidas de restrições e isolamento social adotadas desde o início de 2020, o Brasil ultrapassou, no dia 23/03/21 a triste marca inédita de mais de 3 mil mortes por covid em apenas um dia (3), um recorde que nenhum país deseja comemorar. Ao todo, nosso país já contabilizou mais de 12 milhões de casos, com mais de 300 mil óbitos por Covid-19 desde o início da pandemia.

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Porém, o objetivo deste artigo tem a ver com um tema que muitas vezes é menosprezado ou desconhecido pela maioria, que é o seguinte: a maior letalidade do vírus em determinados grupos da sociedade. De início, temos a questão econômica: o coronavírus mata mais as pessoas pobres do que pessoas ricas no Brasil e no mundo – e isso é algo comprovado, não é mera especulação.

O site G1 (4) publicou uma matéria sobre um estudo feito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) cujo o objetivo foi analisar a proporção de pessoas com anticorpos para a Covid-19 no Brasil. Tal estudo constatou que a população mais pobre do Brasil tem duas vezes mais chances de ter sido infectada pela Covid-19 do que a população mais rica. Além disso, a pesquisa mostrou que os indígenas, por causa da pobreza, também têm mais chances de serem infectados.

Outro grupo que também é mais afetado pelo vírus é o dos negros e pardos. De acordo com o site CNN Brasil (5) no caso das internações pela doença, há um equilíbrio: negros representam 49,1% dos internados por Covid-19, enquanto brancos representam 49%. Mas na análise das mortes, o descompasso aparece: pretos e pardos representam 57% dos mortos pela doença enquanto brancos são 41%. A chance de um negro morrer por coronavírus é 38% maior do que a de um branco.

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Mas, por que isso acontece? Por acaso esse terrível vírus escolhe a quem infectar? Ou será que esses dois grupos – pobres e negros - possuem uma fragilidade genética que propicia uma letalidade maior? Não é bem por aí...

Dentre os principais motivos, podemos citar a desigualdade em relação ao acesso aos serviços de saúde. A maioria da população negra mora em favelas, regiões marginalizadas, e esses lugares quase não possuem unidades de saúde, e, quando possuem, são de péssima qualidade. Por isso, quando acometidos por essa doença, não recebem o atendimento nem o tratamento adequado. E a chance de morrer aumenta.

Na mesma linha de raciocínio, podemos afirmar que o fato de as pessoas mais pobres terem condições de vida e moradia inferiores aos demais, é um dos motivos para que esse grupo sofra ainda mais com a doença. Geralmente vivem em lugares mal estruturados, onde o número de moradores por metro quadrado é alto, sendo que na maioria das vezes não possuem acesso a saneamento básico. Fora isso, a população mais pobre tem uma alimentação menos saudável e geralmente não pratica exercícios físicos. Essas e outras condições proporcionam uma maior contaminação e propagação do vírus.

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Um terceiro e relevante motivo é a necessidade que as pessoas mais pobres têm de sair de suas casas, mesmo em meio à pandemia, para buscar o seu sustento e de suas famílias. Os negros e os pobres compõem grande parte do mercado de trabalho informal: trabalham prestando serviços a outras famílias ou vendendo algo nas ruas, muitas vezes para conseguir o dinheiro do alimento do dia. O governo até tentou manter essas pessoas em casa fornecendo o auxílio emergencial, o que não adiantou muito por dois motivos: 1) nem todas as pessoas que realmente necessitavam conseguiram receber o auxílio, seja por falta de algum documento ou até por falta de conhecimento; 2) para parte das pessoas que receberam o auxílio, o valor não foi suficiente para o sustento do mês. Com isso, essas pessoas permaneceram nas ruas para trabalhar, ficando mais expostas à contaminação.

Todos esses motivos poderiam se resumir em apenas um: a desigualdade social latente no nosso país há muito tempo. A pandemia apenas evidenciou mais esse problema. O processo para a desconstrução ou pelo menos diminuição da desigualdade social é longo e depende de vários fatores, mas isso é um assunto para outro artigo. O fato é que não conseguiremos passar vitoriosos por esse momento tão difícil de pandemia sem atentar para essas pessoas menos favorecidas, afinal, elas são a maioria da nossa população brasileira.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

REFERÊNCIAS:

  1. https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid
  2. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-02/primeiro-caso-de-...
  3. https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/23/brasil-regi...
  4. https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/09/23/mais-pobres...
  5. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/06/05/negros-morrem-40-mais-que-...

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