Prova Eletrônica Forense – Requisitos de Validade Jurídica

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: qua, 27/10/2021 - 16:57

O Documento em sua essencialidade
Retroagindo na história do documento é possível identificar que, mesmo antes do advento da linguagem computacional, o documento já se distinguia de qualquer lastro material necessário. Ou seja, muito antes da disseminação da informática, o documento se manifestava em sua intangibilidade e essencialidade. Desde o século 19, mais precisamente em 1835, Samuel Morse desenvolve uma metodologia para transmitir mensagens de texto por meio de um sistema que representava letras, números e pontuação, por sinais.

A partir daí, e com a conversão desses sinais em pulsos eletromagnéticos, transmitidos por cabos, surge o telégrafo elétrico. O telégrafo foi uma das maneiras pelas quais o documento se desvencilhava de seu suporte material (papel), era codificado em pulsos elétricos, viajava por cabos e, no destino, decodificado em linguagem gramatical, sendo a mensagem de texto transcrita novamente para um suporte físico (papel). Mesmo nessa dinâmica, poder-se-ia argumentar que o documento – por estar sempre suportado fisicamente – demandaria um lastro tangível, alternado entre o papel, o cabo e o papel novamente.

Contudo, o desenvolvimento do Código Morse permitiu também que a mensagem pudesse ser enviada de outras maneiras, desde que se conseguisse transcodificar as letras, números e pontuação, em sinais (ou tons) curtos e longos. Por meio de ondas mecânicas (Morse acústico); pulsos luminosos com o auxílio de lanternas ou faróis (que são acionados e desligados); e até por meio de ondas de rádio (eletromagnéticas), transmitidas e recebidas por antenas, dentre outras possibilidades. O documento é transmitido, pois, em sua essência, por sinais os mais variados, como os sinais luminosos intermitentes de uma lanterna, por exemplo.

Taparelli (2002) assevera:

Em 1895, na cidade de Bolonha, Itália, o estudante Guglielmo Marconi conseguiu transmitir sinais em código Morse no jardim de sua casa, sem o uso de fios.

Alguns historiadores apontam que em 1906 ocorreu a primeira transmissão via rádio, sendo que a transmissão regular teve início a partir de 1920, nos EUA e na Argentina. É possível inferir, portanto, que o documento (em essência) poderia, já entre o final do século 19 e início do século 20, ser transmitido por meio de ondas de rádio. Nessa transmissão, o documento navega em sua integridade e essencialidade, sem que um suporte físico seja necessário.

Fica, portanto, evidenciado, que a essência do documento pode estar desconectada de seu suporte material. O documento, em essência, não é o papel que lhe viabiliza a materialidade, mas é o seu conteúdo, o teor daquilo que se deseja comunicar.

A ideia da mensagem se constitui em documento antes mesmo que a materialização eventualmente se configure. Esse é o ensinamento de Meyriat (2006), apud Ortega e Saldanha (2019), apontando – complementarmente - que o documento se destina a veicular informação. Na prática, o suporte material apenas viabilizava uma das muitas possibilidades de veiculação da informação ou mensagem.

O Documento eletrônico e as regras aplicáveis segundo o CPC 2015
O Código de Processo Civil (Lei No. 13.105/2015) prevê na Seção VII conceitos relacionados ao documento público e particular, tratando ainda de: Força Probante dos Documentos; Da Arguição de Falsidade; e Da Produção da Prova Documental. Na Seção VIII, o CPC trata especificamente dos Documentos Eletrônicos, quando os Arts. 439 a 441 estabelecem:

Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.

A condição imposta pelo CPC no Art. 439 vincula a validade probante do documento eletrônico à comprovação da autenticidade, após a necessária conversão à forma impressa, exclusivamente para utilização no âmbito dos processos convencionais. No Art. 440 o CPC disciplina que o juiz aprecia o valor da prova de um documento não submetido à referida conversão indicada no artigo anterior. E no Art. 441 o CPC aponta que há que se observar as disposições constantes em legislação específica quanto à admissibilidade de documentos eletrônicos, desde que produzidos e conservados em atenção às regras que lhe são aplicáveis.

Requisitos de segurança documental
Naqueles documentos representados em papel, os requisitos de segurança são aplicados – necessariamente - sobre a plataforma física utilizada para a referida materialização. Há o conceito e delimitação de via ‘original’ e ‘cópia’. Nos referidos documentos – tratados aqui neste artigo como ‘documentos tradicionais ou físicos’ – todo um conjunto de soluções tecnológicas de verificação da autenticidade, idoneidade e integridade foi desenhado e aprimorado visando garantir validade jurídica aos negócios formalizados nessa modalidade.

Nos documentos eletrônicos, o suporte físico deixa de ser necessário ou vinculado. Um documento eletrônico pode ser gravado em um repositório físico, como um CD-ROM, disco rígido, pen drive, ou qualquer outro. Pode também ‘viajar’ por meio de ondas (de rádio e/ou eletromagnéticas), a partir de uma transmissão de e-mail, aplicativos de mensagens e outras tantas modalidades de transferência de pacotes de dados.

Nos documentos eletrônicos, não há como identificar um ‘original’ ou uma cópia. É nesse sentido que PASTORE (2020) assevera:

“Ocorre que o documento produzido em meio eletrônico pode, em regra, ser alterado sem esforço, em meios de armazenamento suscetíveis de regravação.” E
“Paradoxalmente, porém, cada reprodução de um documento, seja no mesmo meio ou em outro meio congruente a que transportado, poderá ser idêntica e, assim, indistinta do original, inclusive para efeitos probatórios.”

Verifica-se – de pronto – que o conceito de autenticidade ganha nova abordagem quando se tratar de aferir tal propriedade nos documentos eletrônicos.

Se a autenticação de um documento original, transcrito em papel recebe autenticação por meio da análise visual de um escrevente/oficial de cartório, por exemplo, no caso de documento eletrônico, a autenticação é processada de modo distinto.

Surge então a necessidade de validação ou ‘autenticação’ dos documentos eletrônicos. Isso porque aqueles requisitos de validade aplicáveis aos documentos tradicionais não servem – do ponto de vista jurídico – para conferir aos documentos digitais a necessária validade. O Código de Processo Civil – CPC, em seu Art. 195 define ainda serem indispensáveis outros requisitos, sem os quais não há como considerar válido o documento eletrônico:

Art. 195.: O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei.

Esses requisitos são essenciais à utilização do documento eletrônico, sob pena de invalidade jurídica. A seguir estão descritos e os respectivos itens, de modo a justificar cada uma de suas características de essencialidade.

Autenticidade do documento eletrônico
A autenticidade documental é a qualidade da inequívoca certeza de que um documento tem autoria na fonte indicada. Marques (2011) apud Soares (2015) assinala:

“A autenticidade implica a autoria identificável, a possibilidade de se identificar, com elevado grau de certeza, a autoria da manifestação de vontade representada no documento digital.”

A prova da autoria, quando verificada em um documento eletrônico, deve se processar por meio da assinatura digital. Contudo, há casos em que o documento eletrônico não está assinado digitalmente. Para que o referido arquivo seja válido do ponto de vista jurídico – administrativa ou judicialmente – a autenticidade deve ser provada por meio da aplicação de procedimentos de informática forense.

Por outro lado, não há como distinguir um documento eletrônico ‘original’ e sua ‘cópia’, uma vez que todo documento digital se constitui de uma sequência de bits e bytes. Essa sequência pode ser objeto de alterações as mais diversas, sem deixar vestígios de tal manipulação, devido à propriedade do documento. Nesse sentido, CABRAL (2006), apud PASTORE (2020) aponta:

Não há bits falsos. Isto equivale a afirmar que, enquanto no mundo físico, a materialidade do meio em que se propagam as mensagens permite uma série de mecanismos de verificação de sua autenticidade (exame grafotécnico, análise da tinta, do papel em que impressa a mensagem, como papel-moeda, marca d’água etc.), no meio virtual isto é impossível.

A autenticidade é a propriedade que se obtém para afirmar que um determinado documento digital provém realmente daquele a quem se reputa a autoria. E, para provar, quando o documento não está assinado digitalmente, há que se uso de tecnologia de segurança digital, a fim de ratificar que provém da fonte apontada. É imprescindível a certeza da autoria, pois, nos termos do Art. 411, II do CPC:

Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando:
II - A autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei;

Reforça-se que, na ausência da aplicação de uma assinatura digital legalmente válida e verificável, há que se desenvolverem os procedimentos de informática forense a fim de que a autoria reste inequivocamente provada. Sobre as possibilidades de adulteração de documentos eletrônicos, PASTORE (2020) aponta:

As imagens da tela de um computador pessoal ou de um aparelho de telefonia celular, a seu turno, podem ser compostas sem qualquer especial exigência de habilidade em editores de imagens, ou mesmo em sítios eletrônicos que facilitam a criação inteiramente nova de uma reprodução visualmente indistinta de uma conversa autêntica. Há numerosas aplicações de internet para este fim, facilmente encontradas por intermédio de qualquer sistema de busca, que aqui não se listam para evitar a promoção de software não verificado, potencialmente malicioso.

A parte que tem a autoria supostamente apontada de determinado documento eletrônico – principalmente naqueles em que uma assinatura digital não foi aplicada – pode impugnar a autoria (autenticidade) ou até mesmo a exatidão (integridade). Nesse sentido, o Código Civil disciplina:

Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.
A condição de prova da autoria é reforçada pelo CPC, em seu Art. 411, III, conforme se verifica:
Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando:
III - não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento.
O comando do Art. 428, I do CPC, por sua vez, trata da invalidade do documento – a partir da impugnação de autenticidade – até que o alegado não for esclarecido:
Art. 428. Cessa a fé do documento particular quando:
I - For impugnada sua autenticidade e enquanto não se comprovar sua veracidade;
e que não foi alvo de mutações ao longo de um processo. Na telecomunicação, uma mensagem será autêntica se for, de fato, recebida na íntegra, diretamente do emissor.

Observa-se de pronto que os requisitos de validade jurídica vão além do teor do documento propriamente dito. E que há sim, uma série de requisitos de segurança que demandam verificação específica, visando aferir, além da integridade e autenticidade, o não-repúdio e a irretroatividade.

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Prof. Dr. Juracy Soares
É professor fundador da Unieducar. É fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis. Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito. Possui Certificação em Docência do Ensino Superior. É pesquisador em EaD/E-Learning. Escritor e autor do livro Enriqueça Dormindo.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil (Lei No. 10.406/2002).
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
Acesso em: 03/05/2021

BRASIL. Código de Processo Civil (Lei No. 13.105/2015).
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
Acesso em: 03/05/2021

BRASIL. Lei No. 13.874/2019. Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#a...
Acesso em: 03/05/2021

BRASIL. Decreto 10.278/2020. Regulamenta X do caput do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019.
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Acesso em: 03/05/2021
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BRASIL. Lei No. 12.682/2012. Dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos. 
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ORTEGA, Cristina Dotta; SALDANHA, Gustavo Silva. A noção de documento no espaço-tempo da Ciência da Informação: críticas e pragmáticas de um conceito.
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Acesso em: 30/04/2021

PASTORE, Guilherme de Siqueira. Considerações sobre a autenticidade e a integridade da prova digital. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 21, nº 53, p. 63-79, Janeiro-Março/2020.
Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/322682301.pdf
Acesso em: 03/05/2021

SOARES, Lílian Sandra. A utilização do documento eletrônico como meio de prova. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, MG, v. 60, n. 91, p. 99-112, jan./jun. 2015. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/98382
Acesso em: 30/04/2021

TAPARELLI, Carlos Henrique Antunes. A Evolução tecnológica do rádio. REVISTA USP, São Paulo, n.56, p. 16-21, dezembro/fevereiro 2002-2003
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/33801/36539
Acesso em: 29/09/2021

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http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_b...
https://sistemas.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/27265/A%20ut...

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