Teletrabalho e demissão de servidor público estável

Williane Marques de Sousa
Publicado em: sex, 02/04/2021 - 14:49

Neste período atípico que estamos vivendo devido à pandemia do coronavírus, muitas instituições, públicas e privadas, adotaram o sistema de teletrabalho. Essa modalidade consiste basicamente na realização das atividades laborais fora do estabelecimento do empregador, geralmente na residência do funcionário (home-office), sendo a opção mais adequada no momento, a fim de evitar a circulação de pessoas e a propagação do vírus.

Porém, ao contrário do que muitos pensam, esse tipo de trabalho exige muito mais foco e disciplina do profissional do que no trabalho realizado no ambiente corporativo, junto aos demais colegas. Isso porque, se não tomar o devido cuidado, o trabalhador pode se distrair com as tarefas domésticas ou simplesmente ceder à ociosidade e acabar não cumprindo suas metas laborais diárias; ou pior ainda: achar que está em gozo de férias e não comparecer às suas obrigações.

Foi o que aconteceu recentemente com um servidor público, mais precisamente um auditor federal de controle externo, do Tribunal de Contas da União - TCU. Conforme divulgado pela Colunista Ana Maria Campos no dia 28/03 (1), o corregedor do TCU, Bruno Dantas, iniciou processo administrativo disciplinar visando apurar suas faltas, concluindo que correspondem a três meses de trabalho, descontadas na folha de pagamento por inassiduidade, por ignorar as obrigações laborais. No caso avaliado, foi considerado que o servidor teve 114 faltas, sendo 54 consecutivas. Provavelmente ele achou mesmo que estava em férias.

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Daí você pode estar se perguntando: “Demitido? Mas o servidor público não tem estabilidade?” Sim, é verdade, mas essa estabilidade não é um valor obsoluto. Funciona mais ou menos assim: após passar em um concurso público, todo servidor público adquire a estabilidade logo após o período de estágio probatório de 24 (vinte e quatro) meses, conforme o art. 20 da Lei No. 8.112/90, que é o diploma legal que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Esse direito constitucional é devido ao servidor para lhe dar uma maior segurança e tranquilidade para exercer as suas funções, não correndo o risco de ser demitido por conflitos de interesse. Porém, ele pode perder essa estabilidade por três motivos que estão previstos no art. 41 da Constituição Federal:

  • Em virtude de sentença judicial transitada em julgado
  • Mediante processo administrativo disciplinar, assegurada a ampla defesa ou
  • Mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar.

Ainda sobre o estágio probatório é importante ressaltar que, por mais que a Lei No. 8.112/90 disponha que sua duração é de 24 meses, não é isso que acontece na prática. O período do estágio probatório é na verdade de 3 (três) anos, conforme indica o art. 41 da Constituição Federal, que foi incluído pela emenda constitucional n° 19, em 1998. Isso porque o Supremo Tribunal Federal entendeu que a emenda é válida, e que, apesar de a Lei n° 8.112/1990 prever 24 meses, a Administração Pública teria o direito de ampliar o prazo. Portanto, para que o servidor tenha estabilidade no cargo, precisa passar por três anos de estágio probatório (2).

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No caso referenciado, o servidor público está respondendo a um PAD - Processo Administrativo Disciplinar devido à quantidade de faltas injustificadas ao serviço. Pode, portanto, ser demitido, tendo em vista o disposto no art. 132 da Lei No. 8.112/90, que é o diploma legal que regula o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Neste artigo vemos que a hipótese de abandono de cargo enseja a pena de demissão.

O abandono de cargo é configurado quando o servidor fica ausente do seu serviço de maneira intencional, ou seja, sem um motivo de força maior, apenas por sua vontade, por mais de 30 dias, que é justamente a hipótese cabível para o caso. Logo, é muito provável que ele seja demitido, deixando de fazer jus e perca seu vencimento bruto de R$ 28.674,33 e, consequentemente, perdendo também o direito à aposentadoria.

Nada mais junto, visto que o servidor deixou de cumprir com as suas obrigações sem justa causa. Logo, não lhe é devido a sua contraprestação (salário). Essa atitude do servidor pode ser considerada, além de ilegal, uma falta de compromisso e um verdadeiro descaso com o serviço público. As autoridades competentes devem ficam atentas e aumentar a fiscalização sobre o cumprimento efetivo das funções de cada servidor nesse período de teletrabalho na pandemia, para que não ocorram mais casos como esse e, se ocorrerem, que sejam realizadas as devidas investigações e punições.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

REFERÊNCIAS
https://blogs.correiobraziliense.com.br/cbpoder/auditor-do-tcu-pode-ser-...
https://www.concursosnobrasil.com.br/artigos/o-que-e-estagio-probatorio.....
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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