Um paraíso fiscal chamado Brasil

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: ter, 09/03/2021 - 19:31

O Brasil não possui só um dos piores sistemas tributários entre as maiores Economias globais. Nosso sistema tributário é um dos maiores responsáveis por perpetrar a 2ª maior concentração de riqueza do planeta. O sistema tributário brasileiro atua como um ‘Robin Hood’ ao contrário, pegando dinheiro dos pobres e entregando aos ricos.

Isso mesmo. O modelo desenhado em 1988 e que vem até agora sendo ‘aperfeiçoado’ é pródigo em fustigar os mais pobres com uma elevada carga tributária, enquanto trata os bilionários com isenções e reduções de impostos.

Há trinta anos o Brasil discute Reforma Tributária. E há trinta anos seguimos açoitando os mais pobres com uma carga tributária ‘senzalesca’. O problema mais grave de nosso modelo é que nossa carga tributária incide – prioritariamente – sobre a produção e o consumo, em vez da renda e patrimônio. Obviamente o pobre – que aplica até 60% de seu salário em alimentos – é muito mais impactado pela modelagem tributária em vigor.

Já os super ricos têm a seu favor todos os mecanismos cuidadosamente desenhados para atender suas exigências que se concentram - quando o assunto é imposto – nessas duas premissas: isenção e redução.

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MODELO TRIBUTÁRIO PENALIZA POBRES E PROPICIA CONCENTRAÇÃO DE RENDA
Ao privilegiar um modelo regressivo, baseado na tributação do consumo, o Brasil toma como base de financiamento a camada inferior da pirâmide social. Relatório (1) do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento apontou em 2019 que o Brasil tem o 2º maior índice de concentração de renda do mundo, só perdendo para o Catar, nos Emirados Árabes.

Mesmo naquilo que seria sua obrigação – a correção da tabela do Imposto de Renda – os governos falham repetidamente. O resultado é que a partir de 2021 um trabalhador que tem uma renda de apenas dois salários-mínimos, paga mais imposto sobre a ‘renda’ do que um bilionário que recebe R$ 2 milhões de reais por mês, desde que seja por meio de distribuição de lucros, que são isentos de imposto de renda por aqui.

E por falar em tributação de lucros e dividendos, é oportuno dizer que o Brasil, juntamente com a Estônia, são os dois únicos países no planeta que não tributam esse tipo de riqueza. Nota Técnica da Unafisco Nacional (2) aponta que o Tesouro poderia arrecadar perto de R$ 60Bi com a tributação de lucros e dividendos.

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AOS POBRES, A LEI. AOS RICOS, OS FAVORES DA LEI
O entregador de pizza que trabalha para o aplicativo que nós pedimos pizzas, e que usa uma moto para levar o sustento à sua família, paga o IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. Já o bilionário que possui uma ‘moto aquática’, que é também um ‘veículo automotor’, com a única diferença que se locomove sobre a água, não paga IPVA. Motivo? Acertou! O sistema é feito para privilegiar os ricos e penalizar os pobres!

AS ‘PROPOSTAS DE AJUSTE FISCAL’ E AS PEGADINHAS PARA A SOCIEDADE
O pior é que – enquanto isso – as propostas de ‘Ajuste Fiscal’ no Congresso Nacional, são embaladas nos mais medonhos argumentos. O debate vem sempre com o viés de que ‘é necessário reduzir o tamanho do Estado’. E são inúmeros os parlamentares que defendem redução de salários de servidores públicos.

Isso em pleno ano de pandemia, como se a população ficasse satisfeita em receber 25% menos Educação; 25% menos Saúde; ou 25% menos Segurança Pública. Isso porque as propostas de redução de remuneração de servidores trazem em seu bojo o argumento ‘lógico’ de que haverá redução proporcional de jornada de trabalho.

Infelizmente uma parcela grande da população acaba caindo nessa pegadinha, apoiando propostas que são um verdadeiro ‘tiro no peito’ da sociedade, que continuará pagando a mesma conta, recebendo cada vez menos retorno em forma de serviços que o seu dinheiro poderia financiar.

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O QUE ‘ELES’ NÃO QUEREM QUE VOCÊ SAIBA
Essas propostas mirabolantes simplesmente deixam de fora um ponto nevrálgico a ser solucionado: Há muito recurso para ser arrecadado, mas não há o menor interesse em fazê-lo. Isso mesmo. Infelizmente os políticos que comandam essas discussões não querem ouvir falar do deslocamento da base tributária do consumo para a renda.

Explico: Esse é um dos maiores problemas que o Brasil enfrenta hoje em matéria de modelo de financiamento do Estado: nosso sistema tributa produção e consumo. E é suave com a renda. Isso faz com que um trabalhador que ganha R$ 2.200,00 (2 salários-mínimos em janeiro de 2021) pague IRPF e um empresário que ganha R$ 220.000,00 seja isento desse mesmo tributo.

E a mudança seria capaz de - sem aumentar a carga tributária total - gerar mais recursos para o país, simplesmente desonerando a tributação do consumo e transferindo-a para a renda. A partir do momento em que a produção e o consumo tiverem a carga aliviada, as empresas poderão vender mais, e gerar mais emprego, renda e.... tributos.

Enquanto o Brasil não se libertar dessa escravidão, vamos viver transferindo renda dos miseráveis para os bilionários. E nosso sistema tributário continuará a servir como a famosa floresta de Sherwood, só que abrigando uma turba de bilionários que segue pilhando os miseráveis, que não têm onde nem como se esconder.

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“SE FIZERMOS ISSO, SERÁ UM DESASTRE!”
Alguns dos ‘grandes’ economistas pregavam até o ano de 2020 que ‘se o Brasil criar o Imposto sobre Grandes Fortunas, os investidores fugirão’. Esse pessoal ficou completamente sem argumentos com a fuga da Ford para..... para a Argentina, país que criou o IGF poucos meses antes.

Novamente. A leniência de nossos parlamentares para com a taxação de super ricos é mais uma prova de que a manutenção desse status quo interessa também aos próprios. Afinal de contas, a maioria dos deputados e senadores brasileiros possui conglomerados de empresas ou tiveram a sua corrida ao parlamento – de alguma forma – pavimentada por alguns desses.

O perfil dos deputados federais que ingressaram na Câmara a partir do pleito de 2018 foi desenhado por uma matéria do G1 (3) e é uma pista para entendermos esse tipo de comportamento conivente: O deputado médio é de homem; branco; casado; e com ensino superior, na faixa de 50 anos. A sua ocupação profissional declarada é: Deputado (46%); Empresário (9,9%); e Advogado (7,6%).

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DESCONEXÃO COM O BRASIL REAL. VIVENDO EM UMA BOLHA
Mesmo fora do parlamento, mas no seio do governo federal, é possível identificar que o perfil de gestores da coisa pública está desconectado da realidade brasileira. Quer um exemplo? O presidente da Caixa Econômica – Pedro Guimarães - afirmou em entrevista (4) – no dia 3 de dezembro de 2020 - que não sabia que havia brasileiros vivendo em lixões. Esse é um retrato triste da realidade que permeia a bolha de surrealidade que é Brasília. E talvez explique em parte a tragédia humanitária que estamos vivendo.

PARA AS CÂMERAS UM DISCURSO DIFERENTE DOS BASTIDORES
É interessante assistirmos à passividade comum aos grandes empresários no Brasil, sempre que o assunto gira em torno de justiça social. A não ser que seja para dar entrevistas previamente combinadas para jornais ou podcasts, os nossos bilionários adotam invariavelmente um ‘low profile’ quando poderiam ser protagonistas e exigirem um novo sistema tributário, capaz de corrigir essas distorções e injustiças junto à base de nossa sociedade.

As maiores empresas do país – é importante que se diga – não têm interesse em discutir um novo sistema tributário. O motivo é que todas essas somente se instalam após negociarem (e garantirem) junto aos governos federal, estaduais e municipais o máximo de benefícios tributários possíveis. E por ‘possíveis’ leia-se: se o modelo pretendido não é previsto em lei, então que se aprove uma nova lei para atender às exigências da empresa.

A situação é generalizada no Brasil. Tanto que as Fazendas das três esferas chegam a redigir capítulos específicos em suas respectivas legislações tributárias só para atender às exigências de certas empresas que impõem o tratamento diferenciado (favorecido).

Aí, embora para as câmeras e holofotes o discurso seja sempre o ‘politicamente correto’, nos bastidores a conversa é completamente distinta, e os pleitos giram sempre em torno de mais e mais benefícios fiscais, que são prontamente atendidos, sob pena de se ‘perder’ a planta para o ‘concorrente’, que pode ser a unidade da federação vizinha.

Estudo da Febrafite (5) apontou em 2019 que os estados e o Distrito Federal renunciaram a R$ 83Bi em ICMS no ano de 2018. Dentre as unidades da federação, só o Amazonas renunciou a R$ 6,4Bi no ano, o que correspondeu a 69.2% de toda a receita que poderia ter ingressado em seus cofres.

E por aí segue o nosso país, que é considerado o maior ‘Paraíso Fiscal para Super Ricos’ do planeta. Essa opinião foi repercutida pelo ex-diretor executivo do FMI – Fundo Monetário Internacional - Paulo Nogueira Batista – em ao ser ouvido pela Comissão Mista do Congresso Nacional que foi criada para acompanhar medidas relacionadas à crise da Covid-19. A referida comissão ouviu em agosto de 2020 representantes do FMI, BIRD e BID (6).

E é mesmo. Mas só para os super ricos. Os super ricos não pagam imposto de renda, pois recebem seus rendimentos em forma de lucros e dividendos (não tributados). As empresas dos super ricos não pagam impostos. Não na mesma carga suportada pela pizzaria da esquina, uma vez que os termos de acordos desenhados na fase de pré-instalação já garantiram os privilégios tributários. Muitos ultra ricos também só pagam o IPTU quando, acumulando débitos de cinco anos, negociam a isenção de multas e juros em programas de REFIS que os seus advogados ajudaram a desenhar. Até mesmo o IPVA dos carros que usam é deduzido do lucro de suas empresas, que são as proprietárias desses bens que estão ao seu dispor. Então, se você é super rico, talvez um dos melhores lugares para morar seja aqui no Brasil.

Última constatação. Em 2021 o Brasil deixou o grupo das dez maiores potências econômicas do mundo. Caímos da 6ª para a 12ª e seguimos em ritmo acelerado para a 14ª posição nos próximos dois anos. Enquanto isso, ricos ficaram ainda mais ricos. O que o nosso sistema tributário tem a ver com isso?

Prof. Dr. Juracy Soares
É professor fundador da Unieducar. É fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis. Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito. Possui Certificação em Docência do Ensino Superior. É pesquisador em EaD/E-Learning. Escritor e autor do livro Enriqueça Dormindo.

 

REFERÊNCIAS:

  1. https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2019...
  2. https://unafisconacional.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Nota-Tecnica_...
  3. https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2...
  4. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/12/03/presidente-da-ca...
  5. https://www.febrafite.org.br/wp-content/uploads/2019/07/renunciasICMS201...
  6. https://monitormercantil.com.br/brasil-e-um-paraiso-fiscal-para-os-super...

Nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais iconográficos publicados no espaço “opinião” não refletem necessariamente nosso pensamento, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.