Livro é coisa de rico? Pobre tem que aprender pelo zap?

Williane Marques de Sousa
Publicado em: qua, 14/04/2021 - 15:07

De acordo com o artigo 150 da Constituição Federal, é proibido ao poder público instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. A Lei N° 10.865, de 2004, também garante aos livros a isenção de tributos como a Cofins (Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social) e o PIS/Pasep (Programa de Integração Social e Formação do Patrimônio do Servidor Público). Além disso, o Supremo Tribunal Federal, em 2020, garantiu a extensão dessa imunidade tributária à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers).

Apesar dessa imunidade tributária, muitas pessoas ainda afirmam que consideram o livro um produto caro, não acessível para toda a população. Se você concorda com essa afirmação, saiba que isso ainda pode piorar...

Em um documento sobre “Perguntas e Respostas” que trazia um projeto de fusão da PIS/Pasep com a Cofins para que estes se transformem em um único tributo: CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, a Receita Federal informou que os livros podem perder a sua isenção tributária e, consequentemente, ficarem mais caros. Se depender da Receita Federal, portanto, a venda de livros passaria a ser tributada em 12%, que é a alíquota sugerida pelo governo para a CBS, imposto que deve unificar os tributos federais que incidem sobre o consumo na reforma tributária (2). O argumento utilizado foi que os livros são mais consumidos pela faixa mais rica da população brasileira.

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Para justificar a afirmação, o documento acrescenta que dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do IBGE apontam que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumido pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos. Logo, a lógica da Receita é de que esta isenção tributária está beneficiando apenas os brasileiros mais ricos e, por isso, poderia ser revista e o dinheiro que fosse arrecadado com isso poderia ser investido em áreas com escassez de recursos, como na área da saúde, nos medicamentos e na educação.

Outro argumento utilizado pela receita para o fim da isenção é de que desde 2014, ano em que foi publicada a lei que trazia a isenção para o PIS/Pasep e a Cofins, não houve redução nos valores dos livros: “Não existem avaliações que indiquem que houve redução do preço dos livros após a concessão da isenção da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins. Não foi identificada nem correlação entre uma coisa e outra, tampouco relação de causalidade entre a redução das contribuições e eventual redução do preço dos livros”, diz um trecho do documento, publicado pelo site O Globo (3).

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Porém, o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos da Veiga Pereira, rebateu os argumentos apresentados pela Receita no documento, citando primeiramente a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, que apontou uma queda no preço médio dos livros de 40% entre 2004 e 2019, como reflexo da isenção de PIS/Cofins. O presidente também afirmou que não acredita que os recursos adquiridos com o fim da isenção serão usados em políticas focalizadas: “Não acredito nesta promessa. O Brasil nunca investiu efetivamente em cultura e educação, o resultado está refletido nas posições vergonhosas que ocupamos no IDH e no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)”, afirma o presidente do Snel.

O fato é que a tese da Receita confirma a profecia autorrealizável, de que o livro no Brasil é para os ricos. Se eles alegam que as pessoas de baixa renda não compram muitos livros, como essas pessoas poderão mudar esta estatística se os livros ficarem cada vez mais caros?! Para o especialista em Educação e Orçamento, João Marcelo Borges, a justificativa da Receita é elitista e piora a situação que já é ruim no país. Este especialista afirma ainda que a ideia de tributar mais os ricos não é ruim, mas que não deveria ser aplicada aos livros e sim a iates, helicópteros e outros produtos consumidos pela classe mais alta.

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A proposta da Receita de acabar com a isenção de tributos sobre os livros ainda precisa passar pelo Congresso Nacional para ser aprovada. Se aprovada, e esperamos que não seja, os ricos mal sentirão o peso da mudança em seus bolsos. Em contrapartida, as classes média e baixa, que correspondem à maioria da população brasileira, ficarão ainda mais distante do acesso a cultura por meio dos livros e serão cada vez mais privadas do prazer e dos benefícios proporcionados pela leitura.

Williane Marques de Sousa
Estagiária Unieducar – Estudante de Direito

REFERÊNCIAS

  1. https://printstore.com.br/habito-e-consumo-de-livros-no-brasil-o-brasile...
  2. https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/04/4916782-receita-d...
  3. https://oglobo.globo.com/economia/receita-argumenta-que-pobres-nao-compr...
  4. https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/04/07/receita...
  5. https://www.portaltributario.com.br/legislacao/lei10865.htm

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