Metaverso e o fim da Educação a Distância

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: sab, 25/12/2021 - 13:22

A maior aposta que o Facebook já fez
O evento realizado pela maior rede social no último dia 23 de outubro de 2021 teve como ponto alto a publicação de um vídeo com mais de uma hora de duração. O Facebook Connect 2021 não foi mais um encontro em que o seu fundador faz um balanço das realizações e projeta inovações para o ano seguinte. Mark Zukerberg, fundador da companhia, agora rebatizada de ‘Meta’, anuncia – em escala global – o firme propósito de redirecionar todas as suas energias ao Metaverso.

Mas, afinal, o que é realmente esse tal Metaverso?
Para os não iniciados, a forma mais simples de explicar o Metaverso é dar, como exemplo, os jogos online de Realidade Virtual – RV (ou Virtual Reality - VR). Nesses jogos é possível ‘entrar’ naquele ambiente tridimensional e interagir com outras pessoas, que também estão online naquele momento. Essa interação síncrona se dá, por exemplo, quando jogamos uma partida de futebol ou participamos de uma simulação de tiros, onde o objetivo é – literalmente – ‘abater’ o oponente.

Deve ficar claro, contudo, que a ideia de Metaverso não é coisa nova. Já vem sendo inclusive tema de Teses de Doutorado, como a intitulada Metaverso – Interação e Comunicação em Mundos Virtuais, defendida na UNB em 2009. Ainda em 1992, Neal Stephenson criou o termo Metaverso em sua obra Snow Crash (publicado no Brasil com o título Nevasca). E a ideia de migrar para um universo onde tudo é possível já é alimentada desde os primórdios de nossa história no planeta.

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Isso já foi tentado antes, sem sucesso!
Sim. Isso já foi tentado antes pela Linden Lab, ao lançar a plataforma ‘Second Life’. O Second Life era exatamente a aposta de lançar um Metaverso. Ou seja, um ambiente online tridimensional para viabilizar interação dos jogadores, que eram livres para criar os seus avatares. A plataforma, em desenvolvimento desde 1999, foi oficialmente lançada em 2003 e criava também uma moeda virtual batizada com o mesmo nome daquela companhia: ‘Linden’. Era possível, portanto, usar dinheiro real para comprar essa moeda digital. Com os ‘Lindens’, era possível comprar tudo dentro daquele Metaverso, desde roupas até casas, e muito mais!

Olhando para trás, agora é possível listarmos dezenas de motivos para o insucesso do Second Life. Desde a falta de uma base fiel de usuários (o que o Facebook tem de sobra) até a qualidade visual dos gráficos 3D, prejudicada pela baixa velocidade de banda de internet. Se hoje o seu ‘4G’ não é lá essas coisas, imagina o que era navegar em um ambiente virtual no início dos anos 2000. 

Quais as inovações do Metaverso Facebook? E por que agora vai dar certo?
Inicialmente é forçoso admitirmos que, quando um gigante como o Facebook muda de nome e anuncia a aplicação prioritária de suas energias (e dólares) no desenvolvimento desse ambiente, isso – por si só - já dá uma dimensão do que os ‘caras’ estão planejando em termos de investimentos.

Leve em conta também a base – nada desprezível – que o Facebook tem, de quase 3 bilhões de pessoas já conectadas em todo o mundo. Inclua também os demais usuários do Instagram e WhatsApp, que são de sua propriedade. Só no Brasil o total de usuários do Facebook – nas suas principais aplicações são - nessa ordem: Facebook - 130Mi; WhatsApp -120Mi; Instagram – 110Mi; e Facebook Messenger – 77Mi. É óbvio que há interseções nesses números, mas há que se levar em conta a relevância da presença em um país com cerca de 220Mi de habitantes. Podemos dizer – com segurança - que pelo menos metade dos brasileiros usa pelo menos uma de suas redes.

Adicione o ingrediente velocidade de banda de Internet. Com o 5G já rodando nos países mais desenvolvidos e já em processo de implantação aqui no Brasil, é factível pensarmos que – a cada dia – a navegação em um ambiente de gráficos tridimensionais de alta resolução será uma experiência muito mais imersiva e envolvente.

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O que era possível em Jornada nas Estrelas, será possível no Metaverso
No Metaverso Facebook, muitas das ‘inovações’ tecnológicas da franquia de entretenimento americana Star Trek, finalmente poderão ser realizadas. Sim. O que for possível imaginarmos no ‘mundo real’, será possível desenvolvermos nesse universo paralelo.

Atente para uma das frases que Zukerberg profere em sua apresentação sobre o tema: “Nós acreditamos que o Metaverso será o sucessor da Internet móvel”. A relevância dessa afirmação certamente passa desapercebida pela maioria dos observadores. Contudo, resume bem o poder disruptivo que essa nova empreitada tende a revelar para a nova sociedade conectada.

A nova ‘Experiência’ de nos sentirmos presentes “como se estivéssemos ali com as pessoas, mesmo estando distantes” certamente funcionará como gatilho, não só para a entrada, mas, principalmente, para a permanência das pessoas por lá.

Essa nova ‘noção de presença’ deve redefinir a experiência online no Metaverso. Esse deve ser o grande diferencial e motivo para mais entrantes e aumento do tempo de permanência online. É nisso que a gigante Meta aposta como jogada para consolidar sua liderança nas próximas décadas, como a rede social onipresente no futuro.

E é por esse vislumbre que o movimento realizado no evento de 2021 deve ser interpretado como decisivo. Trata-se de uma jogada na direção de estabelecer-se como ‘O’ Metaverso, tendo em vista que certamente outros players vão tentar replicar a estratégia. Entendeu o motivo da mudança (também) do nome da companhia?

Só para dar um exemplo do que será possível, vamos citar o teletransporte de pessoas (ou seus respectivos avatares). Lembra das cenas de Jornada nas Estrelas, onde os membros da nave simplesmente se posicionavam no ‘teletransportador’ para a desmaterialização e rematerialização no novo local, de acordo com as coordenadas? Para os mais novos, o exemplo mais legal seria o de ‘Matrix’, onde esse teletransporte ocorre após uma ligação telefônica para indicação de um ‘posto de transporte’, pelo ‘operador’. 

Atente para o fato – já comprovado cientificamente – que o cérebro não consegue distinguir o real do virtual. A partir daí, imagine o quão relevantes serão as interações que desenvolveremos nesse novo mundo. Entre fuga da realidade, prazer de interagir em um ambiente ‘gamificado’ e as inúmeras possibilidades de imersão onde praticamente tudo que é possível imaginar, é de se esperar que a frequência no Metaverso mais que dobre nosso tempo conectados.

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Quais os efeitos negativos que o Metaverso poderá gerar à espécie humana?
Esse – certamente – será o tema de muitas outras discussões, debates e estudos. Mas seria ingenuidade acreditar 100% no ‘mundo maravilhoso do Mark’ que é projetado em seu vídeo de apresentação. A replicação da desigualdade e exclusão social é algo previsível. É óbvio que muitas das ‘facilidades’ e ferramentas ora anunciadas serão ‘monetizadas’ pelas diversas empresas que passarão a vender seus produtos naquele ambiente. Obviamente a Meta, criadora do ‘novo mundo’, deverá cobrar um percentual sobre tudo isso, você não acha?

Outros efeitos negativos que obviamente surgirão estão ligados à saúde mental de usuários que eventualmente ficarão viciados; dependentes dessa imersão online onde - literalmente – é possível realizar todos os sonhos. É muito possível que os casos de dependência e depressão cresçam exponencialmente.

Os distúrbios de Dependência à Internet (em inglês Internet Addiction Disorder - IAD) já são estudados e tratados em todo o mundo. Trata-se de patologia na qual o indivíduo quer permanecer 100% conectado. Mas esse tema não será analisado por enquanto, até porque não sou estudioso da matéria. Esse é um assunto para Psicólogos, Psicanalistas e Psicopedagogos que certamente publicaremos em seguida.
 

Quais áreas serão mais fortemente impactadas pelo Metaverso?
Podemos elucubrar que as áreas mais fortemente impactadas logo no início do Metaverso serão: Educação; Reuniões Corporativas; Entretenimento; e Comunicação. Não à toa, o fundador da Microsoft - Bill Gates – já cravou previsão de que em até 3 anos as reuniões ocorrerão – em sua maioria – em ambientes virtuais no Metaverso. Por falar no Bill, essa declaração pode até ser entendida como uma aposta da gigante na criação de sua própria ferramenta de Realidade Virtual Aumentada – RVA.
 

Quantos outros players tentarão replicar seu próprio Metaverso?
A jogada realizada por Zukerberg vai colocar a seguinte dúvida para os demais interessados: É melhor criarmos todo um ambiente Metaverso do zero, concorrendo com o Facebook ou é mais prático (e lucrativo) desenvolvermos aplicações e gadgets para incorporar nesse ambiente? A Nike, por exemplo, comprou - agora em dezembro de 2021 - uma empresa especializada na produção de tênis que só existem no Metaverso. Com essa aquisição, a Nike já projeta gerar receita (também) para os futuros ‘habitantes’ do universo paralelo.
 

Porque o Metaverso será o fim da Educação a Distância?
Para encerrar este artigo, vamos retomar o título: “Metaverso e o fim da Educação a Distância”. Podemos olhar para trás e vislumbrarmos o que provavelmente foi a primeira iniciativa de Educação a Distância que se tem registro. Eu mesmo já escrevi um artigo intitulado EAD tem quase 300 anos. Você sabia? Nesse artigo eu aponto que:

“...no dia 20 de março de 1728 o professor Calleb Phillips decidiu ensinar taquigrafia na modalidade a distância. Ele teve a ideia de publicar um anúncio no jornal Boston Gazette oferecendo aulas a distância para quem se matriculasse em seu curso.”

Se preferir saber mais sobre o surgimento e desenvolvimento da EaD em vídeo, acesse 300 anos de EAD no canal Unieducar no YouTube.

Então, como o Metaverso dará um fim à Educação a Distância? Simplesmente eliminando a distância e proporcionando uma experiência de ‘presença’ para alunos e professores nas escolas e universidades que passarão a operar no Metaverso. Como o próprio Mark profetiza:

A nova ‘Experiência’ de nos sentirmos presentes “como se estivéssemos ali com as pessoas, mesmo estando distantes” certamente eliminará a ‘distância’ e viabilizará a permanência de cada vez mais alunos no universo paralelo Metaverso.

Imagine a disrupção gerada até mesmo para os pequenos. Se a atual experiência de EaD em plataformas de videoconferência é chata e cansativa, a nova interface será muito mais um ‘game’ para seres humanos de todas as idades. E, para os pequeninos, será – talvez – o ponto de virada onde o desejo de ir ‘jogar escola’ funcione como atrativo sem precedentes.

Essa será – realmente – a revolução que a Internet vai gerar na Educação. Sim. Até hoje, o que a Educação a Distância conseguiu explorar com os recursos disponíveis foi a mera digitalização de um modelo criado no século dezoito. O Metaverso revolucionará a Educação ao viabilizar experiências de aprendizado até hoje apenas imaginadas. Mesmo as mais evoluídas projeções idealizadas para esse cenário estão longe do que se materializará.

O vislumbre sobre o que será possível para a Educação no Metaverso nos impõe novos desafios. O que professores e instituições de ensino devem desenvolver a partir de agora? Como permaneceremos relevantes nesse novo ambiente? Como poderemos proporcionar - aos nossos alunos - novas experiências que os motivem a nos prestigiar com sua atenção em nossas aulas? Certamente experimentaremos novos desafios e nossa curva de aprendizagem será intensificada. Sobreviverão os professores e instituições de ensino plenamente adaptados ao novo ambiente.

A conclusão mais rápida a que podemos chegar pode ser preocupante, mas ao mesmo tempo estimulante: praticamente tudo o que já produzimos em termos de objetos instrucionais para o atual ambiente de Educação a Distância, será pulverizado. Certamente tudo, simplesmente tudo o que já foi produzido até agora na Educação terá que ser reinventado e não só adaptado.

No Brasil, infelizmente ainda teremos que conviver – por algum tempo - com instrumentos de regulação na Educação que vão atrasar a chegada de novas aplicações educacionais. Esses símbolos do atraso ainda permanecem por conta da absoluta falta de visão de gestores que comandam órgãos responsáveis pela autorização, credenciamento e reconhecimento de instituições de ensino. A missão de mudar essa realidade deverá ficar a cargo de uma nova geração que ainda não foi alçada à condição de comando.

Independentemente do cenário atual, a recomendação prioritária que fica – desde já – é o nosso compromisso com um novo modelo educacional, que se liberte do que foi pensado há séculos, viabilizando nosso ingresso em um ambiente online realmente inovador. Como professores e pesquisadores que somos, temos a obrigação de nos anteciparmos; ou de, pelo menos, nos conectarmos ao novo, estudando, pesquisando e produzindo conteúdo em harmonia com as mais recentes inovações tecnológicas.

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Para efetivamente experimentarmos e fazermos parte do ‘fim da Educação a Distância’, teremos que nos comprometer com o aprendizado permanente. Ações de Qualificação Profissional Continuada passam do status de ‘desejáveis’ para ‘imprescindíveis’. Isso para os profissionais que têm interesse em atuar de modo relevante nessa área do conhecimento.

Quer saber mais sobre o Metaverso e sobre como se preparar profissionalmente para atuar nesse novo ambiente digital? Acesse o artigo ‘Seu Próximo Emprego pode ser no Metaverso’, disponível aqui no Blog Unieducar. 

Quer saber mais sobre o tema? Você pode participar de diversas maneiras: Fazendo parte de nosso Corpo Docente; enviando suas perguntas e sugestões de novos Cursos, Seminários, Palestras e Workshops; e propondo novas ações de Educação a Distância. Envie-me por e-mail sua opinião sobre o que podemos fazer para melhorar nossas ações na Educação a Distância, até mesmo antes que ela seja dizimada pelo Metaverso : )

Prof. Dr. Juracy Soares
É professor fundador da Unieducar. Fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis. Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito. Possui Certificação em Docência do Ensino Superior. É pesquisador em novas tecnologias para EaD/E-Learning. Escritor e autor do livro Enriqueça Dormindo. E-mail: juracy.soares@unieducar.org.br

Nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais iconográficos publicados no espaço “opinião” não refletem necessariamente nosso pensamento, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.