Publicado em: sex, 15/07/2022 - 15:32
A epidemia de COVID-19 vem demandando, tanto da sociedade civil quanto dos poderes públicos, uma série de ações e ajustes que objetivam o enfrentamento da doença, que até o momento, já ceifou a vida de cerca de 662 mil brasileiros.
Vários entes federativos, como municípios e Estados, visando incrementar a segurança das pessoas, estipularam, por meios de decretos estaduais e municipais, a obrigatoriedade de apresentação do documento comprovatório de vacinação para permitir a entrada, circulação e permanência em estabelecimentos e locais de uso coletivo. É o chamado passaporte sanitário, da vacina ou vacinal.
Em razão desses decretos, foram impetradas diversas ações contra as determinações sanitárias emitidas por governadores e prefeitos neles contidas. As partes alegavam constrangimento ilegal, pois estariam sofrendo cerceamento em seu direito de ir e vir.
O habeas corpus é uma ação constitucional, que tem por objetivo proteger o indivíduo contra constrições ilegais ou abusivas em seu direito de ir, vir ou permanecer; é uma garantia constitucional voltada para a proteção da liberdade física de locomoção, cujos traços distintivos são a celeridade da medida e o cunho mandamental da decisão (NOVELINO, 2021, 16ª edição, pág. 490).
O autor ensina ainda (pág. 490) que, conforme o momento da impetração, o habeas corpus pode ser suspensivo (ou reparatório), quando impetrado com o propósito de liberar o paciente após consumada a violência ou a coação ilegal ou abusiva; ou preventivo, quando voltado a evitar a perpetração da violência ou coação ilegal, hipótese na qual é concedido o “salvo-conduto".
O caso concreto que originou a Súmula do STJ aconteceu no estado do Rio Grande do Sul. Em outubro de 2021, o Governador do Estado publicou o Decreto nº 56.120/2021, exigindo a apresentação de documento que comprovasse a vacinação contra a Covid-19 para que as pessoas possam circular e permanecer em locais públicos e privados.
Um advogado impetrou habeas corpus preventivo contra esse Decreto, afirmando que ele estaria cerceando o seu direito fundamental à liberdade de locomoção, pedindo, portanto, o reconhecimento de seu direito de não ser atingido pelas determinações do decreto estadual.
Primeiramente, vale apontar que o habeas corpus impetrado contra ato do Governador do Estado é de competência do STJ, nos termos do art. 105, I, “c”, da Constituição Federal.
Em segundo lugar, o entendimento jurisprudencial é o de que não é cabível impetrar um habeas corpus contra um ato normativo em tese, pois este não constitui via própria para o controle abstrato da validade de leis e atos normativos em geral.
É importante lembrar que o controle abstrato (ou concentrado) de constitucionalidade recebe tal denominação pelo fato de “concentrar-se” em um único tribunal, e é exercido exclusivamente perante o Supremo Tribunal Federal pelos seguintes instrumentos: ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI ou ADIN); ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO); ação declaratória de constitucionalidade (ADC); e arguição de descumprimento de preceito fundamental (APDF).
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O entendimento do STJ, no julgamento do RDC no HC 700.487-RS, foi que o Habeas corpus não é a via processual adequada para questionar decreto editado por governador de estado sobre adoção de medidas acerca da apresentação do comprovante de vacinação contra a COVID-19, para que as pessoas possam circular e permanecer em locais públicos e privados (CAVALCANTE, 2022).
Isso porque a demanda exige, necessariamente, a análise de inconstitucionalidade em tese de Lei Municipal – daí a impropriedade do remédio constitucional apresentado. O entendimento do STJ ecoa o posicionamento do próprio STF, que, em sua Súmula 266, determina que não cabe mandado de segurança contra lei em tese. Embora a Súmula mencione o mandado de segurança, o entendimento é de que seu comando é aplicável também ao instrumento do habeas corpus, por força da analogia.
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Vale destacar que o STF, embora tenha considerado a vacinação forçada como inconstitucional, estabeleceu a validade da vacinação compulsória por meio de restrições indiretas, como, por exemplo, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares.
Em suma, a limitação de acesso a determinados locais, sejam eles públicos ou privados, é legítima e possui amparo na Constituição Federal, não podendo ser combatida por meio de habeas corpus.
Deborah Chrystine Peixoto Alves
Advogada com especialização em Administração pública
Bibliografia
CAVALVANTE, Márcio André Lopes. Dizer o Direito – Informativo comentado: Informativo 726-STJ. Março de 2022.
Disponível em:
https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2022/03/info-726-stj.pdf.
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. - 16. ed. rev., ampl. e atual. -Salvador: Ed. JusPodivm, 2021.
Disponível em:
https://www.dizerodireito.com.br/2022/03/cabe-habeas-corpus-para-questio....