Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: qua, 17/03/2021 - 15:01

Segunda-feira, dia 26 de outubro de 2020 foi o dia em que as UBS’s – Unidades Básicas de Saúde entraram no programa de privatizações do governo federal. O Decreto No. 10.530/2020 (1) – assinado pelo presidente Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, foi revogado dois dias depois, pelo Decreto No. 10.530/2020 (2) devido à forte reação de especialistas, políticos e demais setores da sociedade civil organizada.

As UBS’s são a ponta de atuação do SUS – Sistema Único de Saúde no Brasil. O SUS – então - só escapou da privatização por isso. Por mais surreal que possa parecer, o governo federal, em plena pandemia, chegou a enviar para o Congresso Nacional, uma proposta que dava a largada a um amplo programa de entrega de nosso SUS à iniciativa privada.

O SUS é o único sistema universal de saúde pública em operação num país com mais de 200 milhões de habitantes. Esse foi o objeto de uma matéria do site Terra, a partir de informações colhidas junto ao próprio Ministério da Saúde (3).

Curso Direito Constitucional – Direitos e Garantias Fundamentais na-CF/88

O SUS – em plena pandemia – foi, é e continuará sendo o único meio de atendimento em saúde para o qual acorrem milhões de brasileiros, especialmente das camadas mais pobres. Privatizar um sistema desses em um país continental como o Brasil é o mesmo que condenar milhões de miseráveis à morte em suas casas. Esse foi o cenário nos Estados Unidos, em que milhões morreram em casa por medo de irem aos hospitais (4).

Na Inglaterra, país rico e desenvolvido, berço do liberalismo, o ‘SUS’ de lá, que atende pela sigla de NHS, acrônimo para National Health Service (Serviço Nacional de Saúde), é fortemente valorizado como uma política de Estado e não de governo. O primeiro ministro britânico Boris Johnson – atendido pelo sistema público de saúde quando infectado pelo coronavírus, não só elogiou o NHS (5), como foi taxativo ao reafirmar o compromisso da Inglaterra para com a iniciativa.

Nessa reportagem do Globo, cuja referência está logo abaixo, um profissional de saúde que atendeu o Premier britânico relatou que lhe perguntou como gostaria de ser atendido, no que recebeu a seguinte resposta: Primeiro pediu que lhe tratasse pelo primeiro nome (o que em muitos países é sinal de intimidade e informalidade; uma rara concessão). Em seguida, o instruiu a tratá-lo ‘como qualquer outro paciente’. E, ao ter alta, em 12 de abril, disse em uma mensagem de vídeo: "O NHS salvou minha vida, sem dúvida".

Curso Atualização Jurídica – Direito Médico e da Saúde no Brasil

Esse episódio diz muito sobre o Brasil atual. No Brasil atual, as ‘autoridades’ – quando adoecem – correm para os hospitais mais caros e badalados da rede privada. O recado é mais ou menos o seguinte: SUS é para pobre. E o fato de que houve uma tentativa de privatizar o SUS revela o escárnio com o qual os habitantes da bolha se importam com os pobres. Ou seja, além de serem os mais pobres que sustentam o Estado brasileiro, contribuindo proporcionalmente mais do que os ricos, ainda assim seriam privados de uma infraestrutura de atenção à saúde.

O influenciador digital Felipe Neto, ao ser atendido em uma consulta simples nos EUA e ter tido que desembolsar R$ 17mil, postou em suas redes a seguinte mensagem: “Defendam o SUS” (6).

São Paulo, 17 de março de 2021: Hospitais da rede privada pedem socorro ao SUS. Esse é o título da reportagem da CBN (7). Esse cenário era simplesmente inimaginável pelo mais ferrenho defensor do liberalismo. Isso mesmo. O liberal é aquele cidadão que argumenta que o Estado sequer deve ter um plano de saúde para atender a população, tendo em vista que – na sua avaliação – isso é papel da iniciativa privada.

Curso Direitos Humanos

Ocorre que o ‘empresários liberais’ estão todos pendurados nas tetas do Estado, recebendo benefícios fiscais e empréstimos em bancos públicos com juros subsidiados. Ou seja, defendem o Estado mínimo para os pobres, enquanto se locupletam com recursos do Tesouro. O próprio Abílio Diniz em um encontro com empresários em março de 2020, saiu-se com a seguinte frase: “na crise, somos todos keynesianos” (8).

E agora? O que esses liberais diriam ao mais rico empresário que está com sua mãe doente e – mesmo pagando o mais caro plano de saúde – não consegue um leito para a sua mãe? Dia desses um empresário bilionário de Curitiba desabafou ao prefeito daquela cidade com a seguinte frase: “Tenho dinheiro para comprar 2 hospitais, mas não tenho leito para minha mãe”

Bom, seria algo a se comemorar a ocorrência de algum evento que impediu o atual governo a privatizar o SUS. Contudo, estamos caminhando para 280 mil mortos nesse exato momento. E quando você estiver lendo essas linhas, infelizmente esse número já deverá ter sido ultrapassado. E ainda há quem defenda esse tipo de política ultra liberal.

Para encerrar, recomendo o estudo das bases de nossa Constituição Federal de 1988. O modelo desenhado pela Constituinte foi de um Estado de Bem-Estar Social. As alterações em forma de Emendas Constitucionais que desfigurem o modelo são inconstitucionais em sua essência.

Quero aproveitar o último parágrafo desse artigo para render as mais elevadas homenagens a todos os profissionais de Saúde e os demais que estão no suporte, na linha de frente e nos bastidores, lutando diuturnamente contra um ‘inimigo invisível’ que segue ceifando vidas (até de seus familiares e amigos), mas que continuam, como uma das últimas linhas de defesa nessa guerra.

Prof. Dr. Juracy Soares
É professor universitário. Professor fundador da Unieducar. Fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis; Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito; Possui Certificação em Docência do Ensino Superior; É pesquisador em EaD/E-Learning; Autor do livro Enrqueça Dormindo.

REFERÊNCIAS:

Juracy Braga Soares Junior

O SUS não foi privatizado em 2020 por isso

Juracy Braga Soares Junior

Leia mais postagens do autor