Estudante pobre paga universidade pública para rico no Brasil

Juracy Braga Soares Junior
Publicado em: dom, 06/03/2022 - 09:35

No Brasil, a quantidade de alunos em Instituições de Ensino Superior – IES’s matriculados por meio de contratos junto ao Fundo de Financiamento Estudantil – FIES vem caindo, consistentemente, de 2015 a 2020. Essa é uma das conclusões a que chega o leitor do Mapa do Ensino Superior em sua 11ª edição. No gráfico “Contratos novos - FIES” é possível verificar essa queda:

O FIES pode parecer, em uma análise superficial, uma ferramenta de democratização do Estado brasileiro ao cidadão que não consegue acessar a universidade pública. O MEC afirma na página específica do programa, que:

“O FIES mudou para melhor. Tem agora como pilares a ampliação do acesso ao ensino superior, a maior transparência para os estudantes e para a sociedade, e a melhoria na governança e na sustentabilidade do Fundo. O FIES possibilita juros zero a quem mais precisa e uma escala de financiamento que varia conforme a renda familiar do candidato. O financiado começará a pagar as prestações respeitando o seu limite de renda, fazendo com que os encargos a serem pagos diminuam consideravelmente.”

Ora, para quem examina de forma superficial, e para quem principalmente não conhece como funciona o Sistema Tributário brasileiro, parece uma excelente ferramenta com a qual o governo federal viabiliza o acesso dos mais pobres ao ensino superior.

Contudo, em um país que cobra mais impostos – proporcionalmente à renda – dos mais pobres, essa ‘ferramenta’, de democrática, não tem nada. Sim, deixa eu escrever novamente para que fique claro e você não deixe essa situação passar desapercebida:

O Brasil é campeão em desigualdade social no planeta. Nosso Sistema Tributário tem como característica a Regressividade Tributária e efeito Robin Hood ao contrário, quando o Estado tira dos pobres para dar aos ricos.

O acesso à Universidade Pública é vendido como algo que melhorou nos últimos anos, especialmente para mulheres mais pobres. Um dos recortes do estudo realizado pelo Instituto SEMESP, repercutido pela Agência Brasil aponta: 

“No caso do ensino superior privado, 68,5% dos alunos vieram do ensino médio público e 31,5% do privado. Já nas instituições de ensino superior público, 60,1% veio do ensino médio público; e 39,9% do ensino médio privado.

À primeira vista parece algo positivo avaliar que a ‘maioria’ dos alunos nas IES públicas acessaram após concluírem o ensino médio na escola pública. Mas é uma miragem. Um ditado interessante sobre avaliação de estatísticas diz mais ou menos o seguinte: ‘Torture seus dados até que eles confessem o que você deseja comprovar’.

A afirmação acima mascara uma realidade perversa, que pode – também – ser iluminada pelos números de nosso perfil sociodemográfico. Num país em que no ano de 2020, a parcela de 1% mais rica, concentrava praticamente a metade de toda a riqueza, fica evidente que essa parcela de estudantes provenientes do ensino público que acessam a universidade pública representa um funil cruel e que contribui para perpetuar a desigualdade social no Brasil.

Na mesma matéria divulgada pela Agência Brasil,

“O estudante das instituições de ensino superior brasileiras tem um perfil bastante claro: é branco, do sexo feminino, com idade entre 19 e 24 anos, estuda em instituições privadas à noite, fez o ensino médio em escola pública, mora com os pais e tem de trabalhar para ter uma renda de até dois salários-mínimos.”

Esse é o retrato da discriminação social estruturada pelo Estado brasileiro, que exige pagamento, via FIES, para que o pobre acesse uma IES privada, enquanto reserva – proporcionalmente – muito mais vagas na Universidade Pública, especialmente para os mais ricos. Os mais ricos são, por óbvio, minoria em números absolutos, mas abocanham 40% das vagas pagas pelos mais pobres, porque é deles que o Estado coleta mais tributos, conforme aponta o artigo ‘No Condominio Brasil moradores da cobertura pagam as menores taxas.’ 

O artigo acima deixa evidente que – por aqui – a opção é pelo carregamento da carga tributária no item ‘consumo’, no qual o Brasil aplica 49,7%, enquanto a média dos países membros da OCDE é de 32,4%. Já no item tributação da renda, a situação se inverte. Como já aponta o artigo ‘Um Paraíso Fiscal chamado Brasil’, os ricos são privilegiados com uma alíquota média de 18,3% sobre a renda, enquanto a realidade na OCDE é de 34,1%.

O resultado desse imbróglio é que o estudante pobre paga universidade pública para rico no Brasil. Esse é um tema, contudo, complexo e que demanda um conjunto de estudos mais densos e uma ampla participação da própria comunidade acadêmica, especialmente das IES públicas.

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Voltaremos ao tema para disseminar, em bom português, mais informações que entrelacem a realidade social, acesso à Universidade Pública e, principalmente, o seu financiamento no Brasil.

Prof. Dr. Juracy Soares
É professor fundador da Unieducar. Fundador e Editor Chefe da Revista Científica Semana Acadêmica. Graduado em Direito e Contábeis. Especialista em Auditoria, Mestre em Controladoria e Doutor em Direito. Possui Certificação em Docência do Ensino Superior. É pesquisador em novas tecnologias para EaD/E-Learning. Escritor e autor do livro Enriqueça Dormindo.

Nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais iconográficos publicados no espaço “opinião” não refletem necessariamente nosso pensamento, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.